Título: A volta por baixo
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Fonte: O Estado de São Paulo, 31/01/2013, Notas & Informações, p. A3

A partir de amanhã, salvo milagre, o Brasil se verá na vexaminosa con­dição de ter um presidente do Se­nado, portanto presidente do Congresso, portanto terceiro na linha sucessória da Presidên­cia da República, denunciado pelo titular do Ministério Públi­co ao STF. Trata-se do notório Renan Calheiros, do PMDB ala­goano. Em 2007, quando se tor­nou público que um lobista da empreiteira Mendes Júnior, em Brasília, bancava a pensão que o político pagava à ex-namorada com quem teve um fi­lha, ele apresentou notas de venda de gado, com todas as ca­racterísticas de serem frias, pa­ra provar que dispunha de re­cursos próprios para arcar com aqueles gastos. É uma história sórdida como poucas na crôni­ca de baixarias da política brasi­leira. Processado no Conselho de Ética do Senado, e com uma ação aberta contra ele no STF, foi absolvido pela maioria de seus pares, numa barganha que se consumou três meses de­pois, quando ele renunciou à Presidência da Casa.

Nesta sexta-feira, Renan de­verá ser escolhido sucessor do atual titular do cargo, o seu fra­terno companheiro José Sarney, para um mandato que irá até fevereiro de 2015. Tem o apoio do PT e da base aliada, com o endosso da presidente Dilma Rousseff, por efeito de um acordo pelo qual o PMDB, tendo dado os seus votos a um petista, Marco Maia, para presi­dir a Câmara dos Deputados em 2010, ficou com o direito de chefiar as duas Casas do Con­gresso neste biênio. O nome do candidato para a Câmara, o atual líder peemedebista Henri­que Eduardo Alves, era conheci­do desde sempre, a despeito de sua folha corrida. Ele inclui, notadamente, a acusação de man­ter R$ 15 milhões em contas se­cretas no exterior - o que lhe valeu ser despejado da posição de vice a que aspirava na chapa do tucano José Serra, no pleito pre­sidencial de 2002. Já a volta por baixo de Renan foi tramada em surdina: para se ter ideia, até on­tem nem sequer assumira a can­didatura - para se "preservar". Por isso também andou se açoi­tando nos seus cafundós.

Faltou combinar com o pro­curador-geral da República, Ro­berto Gurgel. Na sexta-feira passada, finalmente se manifes­tando no inquérito aberto no STF, o denunciou. Não se co­nhecem os detalhes da peça acusatória - a ação corre em se­gredo de Justiça. Gurgel se limi­tou a informar que "os fatos têm relação com aquele mo­mento em que o senador pre­tendeu comprovar a origem de sua renda". Ele considera "ex­tremamente convincente" a de­núncia. "Foi uma iniciativa ponderada e refletida com o máxi­mo cuidado." Fundamenta-se em relatórios de inteligência fi­nanceira e informações da Re­ceita Federal. Gurgel nega enfaticamente que a apresentação da denúncia, uma semana an­tes da votação no Senado, te­nha sido premeditada. As suas minuciosas explicações sobre o trabalho realizado e o tempo consumido, com o prolongado intervalo exigido pelo processo do mensalão, deveriam silen­ciar as insinuações de correli­gionários de Renan, que dizem "estranhar" a coincidência.

No estrito plano jurídico, é improvável que a denúncia pro­duza consequências enquanto o denunciado exerça a mais alta função do Legislativo federal. Politicamente, porém, não dei­xa de ser uma pancada. Não sufi­cientemente forte, no entanto, para que desista da candidatu­ra, como pregam o senador peemedebista dissidente Jarbas Vasconcelos e o petista Eduar­do Suplicy - embora este tenha ressalvado que votará em Re­nan se ele ficar até o fim. A ban­cada tucana está dividida entre os que defendem o voto em um dos candidatos alternativos (Pe­dro Taques, do PDT de Mato Grosso, e Randolfe Rodrigues, do PSOL do Amapá) ou a abs­tenção, e aqueles que acham que não vale a pena perder a 1.ª Secretaria da Mesa Diretora que lhe foi prometida. Dias atrás, pa­ra marcar posição, o presidenciável do PSDB, senador Aécio Neves, pediu ao PMDB que indi­que um nome que teria o con­senso da Casa para que ela "ini­cie uma nova fase".

Manda o acabrunhante re­trospecto que nada se espere da caciquia que controla o Sena­do e faz o jogo do Planalto. Não foi o patriarca da confraria, Jo­sé Sarney, o dos atos secretos, o primeiro a dizer que a "nova fase" começou com ele?