Título: Disputa acirrada no PT
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Fonte: O Estado de São Paulo, 01/02/2013, Notas e Informações, p. A3

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-ministro José Dirceu e o presidente do PT, Rui Falcão, para seguir a efetiva ordem de importância de cada um na hierarquia da agremiação, parecem ter tirado o dia, anteontem, para disputar entre si um acirrado torneio de primarismo, descaramen­to e mistificação. Em Cuba, partici­pando de um daqueles convescotes ideológicos cheios de ar quente e va­zios de ideias - no caso, uma "Confe­rência pelo Equilíbrio Mundial", no Palácio de Convenções de Havana -, Lula demonstrou surpreendente sin­tonia com o espírito já um tanto fanado da new age, ao pedir ao público que mandasse "energia positiva" pa­ra o caudilho venezuelano Hugo Chávez. Se ele porventura superar ao se­quelas da operação a que se subme­teu na ilha em meados de dezembro para extirpar o câncer de que pade­ce, Lula bem poderá se gabar de ha­ver contribuído para a sua miraculo­sa recuperação. Pelo menos seria coerente com a sua propensão a tra­tar de proezas alheias como se delas fosse o autor.

Mas o apelo ao despacho de ener­gia cósmica para revigorar o autocra­ta de Caracas até que passa, com um pouco de caridade. O que fica é o exemplo confeccionado por Lula pa­ra a ocasião, a fim de ilustrar a sua enésima diatribe contra as "elites" em geral e a imprensa em particular por seu suposto "ódio" contra Chávez, a argentina Cristina Kirchner, o uruguaio Pepe Mujica e o boliviano Evo Morales pelo bem que fariam aos pobres. (Ele omitiu o equatoria­no Rafael Correa.) "No Brasil", afir­mou, voando baixo, "a imprensa não suporta que os pobres viajem de avião." O que os viajantes, ricos, remediados ou pobres, não suportam - e o que a imprensa denuncia - é a situação dos obsoletos aeroportos brasileiros, que o lulismo no poder não cuidou de apetrechar para o au­mento do número de voos e passagei­ros. A mídia, a mesma que o ajudou a decolar do sindicalismo para a gran­de política - como certa vez, em um momento de franqueza, ele admitiu -, é o bode expiatório de há muito es­colhido para livrar o PT do acerto de contas com seus próprios malfeitos.

Desde o julgamento do mensalão, ela tem a companhia da Justiça. O Supremo Tribunal Federal (STF), que impôs aos mensaleiros penas compatíveis com o crime de lesa-República que se esbaldaram em come­ter, e o titular do Ministério Público Federal, Roberto Gurgel, por ter en­caminhado à instância adequada as acusações do publicitário Marcos Va- lério contra Lula, em vez de lançá-las ao lixo, capitaneiam a "ofensiva da direita contra o nosso projeto político", nas palavras de Dirceu (10 anos e 10 meses de prisão, além de multa de R$ 676 mil). Em um ato da CUT, no Rio, "pela anulação do julga­mento do mensalão", o mensaleiro-chefe acusou o STF de violar os direi­tos individuais e a democracia. No seu vale-tudo mental, atribuiu o noti­ciário da imprensa sobre as mazelas dos políticos ora à intenção de "ama­nhã dar um golpe", ora à intenção de inibir o Congresso de regular a mí­dia. Às vezes, nessas horas, a verda­de assoma em meio à fabulação. No caso, a pouca vontade do próprio PT em mobilizar as massas para a defe­sa dos mensaleiros.

"Aonde (sic) estão os nossos?", perguntou retoricamente Dirceu pa­ra se queixar de que ninguém "foi para a tribuna denunciar" a decisão de Gurgel de dar curso às denúncias de Marcos Valério. Por sua vez, An­dréa Haas, mulher do condenado ex-dirigente do Banco do Brasil, Henri­que Pizzolato (14 anos, 8 meses, R$ 1,3 milhão), pediu aos companhei­ros "que não sejamos esquecidos, como até hoje fomos". Não será o desalento petista que motiva as exortações de Dirceu e a campanha que promete encetar contra o STF? Não será também o que leva o depu­tado Rui Falcão a abrir ao máximo a sua "torneira de asneiras", como fa­zia a boneca Emília das histórias de Monteiro Lobato? São tantas que não é fácil escolher a que merece ir ao pódio. Entre a imputação ao Mi­nistério Público de ter "atuação par­tidária" e 0 imperativo de combater a oposição "sem cara, mas com voz" que "tenta interditar a política no Brasil", o Oscar vai para esta obra de arte: "Quando desqualificamos a política (...), a gente abre campo pa­ra experiências que, no passado, le­varam ao nazismo e ao fascismo" (apud, Rui Falcão).