Título: Justiça barra verba para moradia de deputados
Autor: Macedo, Fausto
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/02/2013, Nacional, p. A6

A Justiça determinou a "ime­diata suspensão" do pagamen­to de auxílio moradia a todos os 94 deputados estaduais de São Paulo. Á ordem é do juiz da 3ª Vara da Fazenda Pública, Luís Manuel Fonseca Pires, que concedeu tutela antecipa­da em ação civil do Ministério Público do Estado. O bloqueio liminar do benefício terá de ser acatado pela Mesa Diretora da Assembleia "sob pena de os res­ponsáveis, em caso de descumprimento da medida, responde­rem por ato de improbidade ad­ministrativa em ação própria pelo manifesto dolo de ofensa aos princípios jurídicos da ad­ministração pública".

O Ministério Público estima que o corte no privilégio dos de­putados vai gerar economia anual de R$ 2,5 milhões para os cofres públicos. Os parlamenta­res recebem R$ 2.250 todo mês, cada um - verba embutida no subsídio, sem amparo legal e sem apresentação de qualquer comprovante de despesa. A con­cessão é indistinta e indiscrimi­nada, recebem até aqueles que moram a poucas quadras da sede do Legislativo, no Ibirapuera.

A regalia é concedida aos depu­tados com base na Lei 14.926/13. "Há ofensa ao princípio da legali­dade na medida em que o artigo 1º da Lei 14.926 não se mostra suficiente, logo, é inconstitucio­nal, a justificar o pagamento indiscriminado desta verba por­que não há qualquer suporte fático à indenização", adverte ojuiz.

Fonseca Pires argumenta que "não há suporte fático porque inexiste diferença entre o parla­mentar que reside em imóvel próprio ou alugado, próximo ou distante da Assembleia Legislati­va, como ainda não há o condicio­namento do pagamento à com­provação de gastos com a mora­dia." Ele aponta "ausência de cri­térios claros ao reembolso" e "omissão sobre a comprovação das despesas".

A Lei 14.926, de 4 dejaneiro de 2012, e as que a precederam, invo­ca o Ato 104/88 da Câmara dos Deputados, que prevê o auxílio aos deputados federais. Essa verba tem caráter indenizatório. O beneficiário tem que exibir com­provante do gasto para, então, pleitear o reembolso.

A ação aponta quatro ilegalida­des: inexiste lei que regulamen­te o auxílio; a benesse foi incor­porada ao subsídio com base em lei "manifestamente inconstitu­cional"; o pagamento é feito in­distintamente, permanentemen­te e "sem qualquer critério legal ou razoável"; é concedido sem qualquer comprovação de despe­sas de aluguel ou estadia. "Cuida-se de prejuízo de monta, que não pode ser ignorado, so­bretudo considerando a realida­de do povo paulista, que exige melhorias em diversos setores, como educação, saúde e mora­dia da população carente", afir­mam os promotores de Justiça Saad Mazloum e Silvio Marques.

Eles calculam prejuízo ao Te­souro de R$ 230 mil por mês. Cra­vam que a vantagem "é uma imo­ralidade" e burla o princípio do subsídio em parcela única.

Privilégio. A regra do subsídio, prevista no artigo 39, parágrafo 4º, da Constituição Federal, ve­da expressamente a remunera­ção por rubricas distintas a se­rem somadas em composição de um valor final. "Inadmissível que uma verba indenizatória seja incluída permanentemente na remuneração dos parlamentares, O auxílio moradia aos deputados estaduais é absolutamente ilegal, verdadeiro privilégio", sustentam os promotores.

A ação civil, lastreada em lon­ga investigação da Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e do Social, mostra que todo inicio de ano a Mesa da Assem­bleia - formada por três deputa­dos, o presidente da Casa, o pri­meiro secretário e o segundo - edita lei estadual que fixa remu­neração dos parlamentares para o exercício financeiro.

Os promotores denunciam que a Mesa do Legislativo usa o Ato 104 para assegurar o benefí­cio, mas "ignora deliberadamen­te" os artigos 1 ° e 2º daquela nor­ma da Câmara dos Deputados. Tais artigos impõem que pode­rão ser contemplados com o mo­radia aqueles que não têm unida­de residencial funcional e que o reembolso só deve ser garantido mediante despesa comprovada.

"A mera menção à aplicação do Ato 104/88, sem a consequen­te regulamentação, tem dado margem ao arbitrário e indiscri­minado pagamento da benesse sem o estabelecimento de limites legais", sustentam os promotores. O Ato 104, de incidência exclusiva à Câmara dos Deputa­dos, não pode ser vinculado aos parlamentares paulistas.

"É absolutamente inconstitu­cional o artigo 1° da Lei 14.926/13, na parte que manda aplicar aos deputados estaduais o Ato 104. Não se admite a alega­ção de que a Constituição Fede­ral estabeleceu uma simetria en­tre os parlamentares federais e os estaduais, mas apenas propor­cionalidade entre os subsídios de ambos. O que não inclui ver­bas de natureza indenizatória."