Título: Acusação é revelada no dia da eleição
Autor: Gallucci, Mariângela
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/02/2013, Nacional, p. A6

O procurador-geral da Repu­blica, Roberto Gurgel, acusou o novo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB- AL), de cometer os crimes de peculato, falsidade ideológi­ca e uso de documentos fal­sos. Segundo o chefe do Minis­tério Público Federal, o peemedebista usou notas frias pa­ra justificar ganhos com in­vestimentos em gado e des­viou verba indenizatória do Congresso que deveria ser gasta com despesas da ativida­de parlamentar.

As acusações estão na denún­cia de 17 páginas assinada por Gurgel e protocolada na semana passada no Supremo Tribunal Federal. O teor do documento foi revelado ontem pelo site da revista Época.

O relator do inquérito, minis­tro Ricardo Lewandowski, estu­dará o caso e submeterá ao plená­rio para votação. Não há previ­são de quando ocorrerá o julga­mento. Se a Corte aceitar a de­núncia, um processo criminal se­rá aberto e o novo presidente do Senado passará da condição de investigado para a de réu.

"O peculato é essencialmente em relação à utilização daquela verba de representação que os senadores têm e cuja utilização tem de ser comprovada. Ele com­provou isso com notas frias. O serviço na verdade não foi presta­do. E por isso caracteriza pecula­to", afirmou Gurgel.

Escolha. O procurador disse que a decisão de denunciar Re­nan uma semana antes da elei­ção para a Presidência do Sena­do não teve motivação política. "O Ministério Público não tem como ficar subordinado às con­veniências do calendário políti­co. Havia duas alternativas. Ofe­recer a denúncia antes, como eu fiz, ou aguardar para oferecer de­pois", argumentou. "Certamen­te se afirmaria que o procurador-geral não tinha oferecido a de­núncia antes para evitar qual­quer embaraço à eleição do sena­dor Renan. Então eu preferi ofe­recer antes."

Gurgel pediu ao Supremo que sejam ouvidas as seguintes teste­munhas: a jornalista Mônica Veloso, cuja pensão pela filha que tem com Renan foi paga pelo lobista de uma empreiteira, e os peritos criminais Rafael Sousa Li­ma, Evaldo Oliveira de Assin, David Antônio de Oliveira, que ana­lisaram as notas frias.

A investigação contra Renan, que envolveu quebras de sigilos fiscal e bancário do senador e de outras pessoas, foi aberta depois do surgimento de suspeitas de que o parlamentar teve despesas pessoais pagas por um empresá­rio. Para justificar o dinheiro usa­do, por exemplo, para o paga­mento de pensão à filha, Renan apresentou documentos que, se­gundo o procurador, são falsos.

"Em síntese, apurou-se que Renan Calheiros não possuía re­cursos disponíveis para custear os pagamentos feitos a Mônica Veloso no período de janeiro de 2004 a dezembro de 2006, e que inseriu e fez inserir em documen­tos públicos e particulares infor­mações diversas das que deve­riam ser escritas sobre seus ga­nhos com atividade rural, com o fim de alterar a verdade sobre fa­to juridicamente relevante, qual seja, sua capacidade financeira", sustentou o procurador.

"Lucratividade". Conforme a in­vestigação, o senador não regis­trou despesas com o custeio de suas atividades como pecuaris­ta. Mas em 2002 declarou lucros de 85% com os bois e em 2006, de 80%. "A ausência de registro de despesas de custeio (...) impli­ca resultado fictício da atividade rural, o que explica a espantosa "lucratividade" obtida pelo de­nunciado entre 2002 e 2006", afirmou o procurador-geral.

Gurgel não fez previsões so­bre quando o plenário do Supre­mo deverá apreciar a denúncia. Mas ele observou que o tribunal, poderá optar por julgar nos pró­ximos meses processos de reper­cussão geral, que ficaram parali­sados por causa do mensalão e cujos resultados podem influen­ciar milhares de ações judiciais. Se esse de fato for o plano da Cor­te, a denúncia poderá não ser ana­lisada nos próximos meses.