Título: O motor americano
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/02/2013, Notas e informações, p. A3

A economia ameri­cana cresceu 2,2% no ano passado, segundo o primeiro cálculo oficial divulgado em Washington. Isso é o dobro do cresci­mento, cerca de 1%, estimado até agora para o Brasil, o menos dinâmi­co dos Brics e um dos poucos países, em todo o mundo, atolados numa combinação sinistra de estagnação e inflação (5,8%). Além disso, nenhu­ma outra economia avançada, nem mesmo a alemã, terá tido um desem­penho tão bom quanto o americano, se as novas estimativas do Fundo Monetário Internacional (FMI) esti­verem aproximadamente corretas. De acordo com essa revisão, a produ­ção bruta dos países mais desenvol­vidos deve ter-se expandido cerca de 1,3% em 2012. No cenário do Fun­do, publicado na semana passada, o avanço americano deveria ter chega­do a 2,3%. Mas a diferença de 1 pon­to de porcentagem é pouco relevan­te nessa circunstância.

A boa notícia veio acompanhada de um dado negativo. No quarto tri­mestre, o Produto Interno Bruto (PIB) dos Estados Unidos encolheu em ritmo equivalente a 0,1% ao ano, mas esse recuo foi qualificado como passageiro por analistas experien­tes. Decorreu em grande parte de uma redução de gastos militares e de uma queda nos investimentos em estoques. A avaliação otimista foi re­forçada no dia seguinte, quinta-fei­ra, pela divulgação, em Chicago, do índice de atividade dos gerentes de compras, bem superior ao projetado por economistas do mercado. Essa informação é considerada um bom indicador indireto do ritmo da pro­dução industrial.

Na quarta-feira, o ministro da Fa­zenda, Guido Mantega, saudou co­mo altamente importante a recupe­ração lenta, mas aparentemente fir­me, da produção americana. Afinal, a recuperação da maior economia do mundo é benéfica para todos. Não se sabe se o ministro, antes des­se comentário, consultou o líder Luiz Inácio da Silva. O ex-presiden­te havia-se mostrado muito feliz por chegar ao fim do mandato com o Brasil ainda em crescimento e os Es­tados Unidos em recessão. Seria um despropósito, exceto em caso de guerra, festejar as dificuldades de qualquer outro país. Mais que um despropósito, seria uma enorme toli­ce alegrar-se por uma crise no mais importante mercado do mundo. Mas essa tolice ocorreu.

A recuperação dos Estados Uni­dos é especialmente importante pre­cisamente pela razão apontada pelo ministro da Fazenda. Se a atividade ganhar impulso na maior potência econômica do mundo, haverá efei­tos positivos em todos os mercados. O Brasil será com certeza beneficia­do, embora o governo petista atri­bua prioridade estratégica à relação com outros mercados. A reativação americana favorecerá o País pela im­portação direta de produtos brasilei­ros e pelo fortalecimento de gran­des clientes do Brasil, como a China.

Além do mais, o mercado america­no é um dos principais destinos das exportações brasileiras de manufatu­rados. Em 2012, a indústria manufatureira vendeu aos Estados Unidos produtos no valor de US$ 13,6 bi­lhões, 14,9% mais que em 2011. Essa receita correspondeu a 50,5% do to­tal vendido àquele mercado. O co­mércio com os Estados Unidos foi um dos poucos pontos positivos no balanço do ano passado, quando o conjunto das exportações rendeu US$ 242,6 bilhões, 5,3% menos que em 2011.

O FMI projeta para a economia americana uma expansão de 2% em 2013, bem maior que a prevista para o conjunto dos países avançados, 1,4%. Para a zona do euro a estimati­va é de mais um ano de contração. O produto regional deve ter encolhido 0,4% em 2012 e deverá diminuir mais 0,2% neste ano. A atividade glo­bal dependerá muito dos emergen­tes, mas com a ajuda, como em 2012, da recuperação americana. O motor da maior economia de novo contri­buirá para impulsionar os mercados.

Essa previsão depende, natural­mente, das negociações entre gover­no e oposição, em Washington, so­bre importantes problemas remanes­centes. O abismo fiscal foi evitado no começo do ano, mas falta cuidar da elevação do teto da dívida públi­ca e de questões complicadas, como detalhes dos cortes de gastos e o ajuste das contas públicas no médio prazo. O mundo inteiro será afetado por essas discussões.