Título: É hora de abandonar o superávit primário, diz Nelson Machado
Autor: Villaverde, João ; Otta, Lu Aiko
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/02/2013, Economia, p. B3

Dois anos após deixar o governo, ex-ministro fala pela primeira vez sobre assuntos prioritários para a equipe econômica

O governo federal poderia aproveitar a janela de oportunidade aberta pelas críticas à forma como a meta fiscal do ano passado foi atingida para, simplesmente, abandonar o superávit primário. Esta é a avaliação de Nelson Machado, ex-ministro do Planejamento e da Previdência Social, e que até 2010 era o número dois do Ministério da Fazenda.

Machado aponta o fato de que, em 2012, a redução da dívida líquida ocorreu mesmo com esforço fiscal muito inferior ao do ano anterior e, também, com ritmo mais fraco do Produto Interno Bruto (PIB). Em 2012, a dívida líquida como proporção do PIB caiu de 37,1% para cerca de 35%.

Depois de um silêncio de dois anos após deixar o governo, Machado, hoje professor da FGV-SP, conversou com o Estado sobre assuntos que estão no topo da agenda de preocupações da área econômica do governo.

Para ele, "nada é imexível", a começar pelos pilares onde a política fiscal brasileira está sustentada há quase 15 anos. O governo acertou, entende Machado, ao propor a alteração do artigo 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), por meio de projeto de lei complementar enviado ao Congresso nos últimos dias de 2012.0 artigo "amarra" as desonerações tributárias, ao exigir que o governo eleve impostos sobre outros setores para compensar uma renúncia. "O Brasil era um País em 1999 e 2000, quando tomávamos recursos do FMI, e o mercado internacional levantava dúvidas sobre nossas contas. A situação mudou. Os instrumentos rígidos, que eram corretos naquele momento, podem ser mudados."

Pônei e camelo. Machado teme o tratamento que os parlamentares podem dar a projetos da União de mudanças na LRF e numa eventual proposta de mudança no superávit primário. "O governo envia um pônei e a lei volta em forma de camelo." Conselheiro em comum das principais autoridades do Ministério da Fazenda, Machado entende que alterações na política fiscal são os grandes temas de 2013. "O Brasil precisa crescer, e precisa fazer isso com uma carga tributária muito menor. E isso o que tem sido feito, com importantes reduções de encargos na folha de pagamentos. Então, como se reduz o peso dos tributos no Brasil e, ao mesmo tempo, se persegue uma meta rígida de superávit primário?", questiona. Para ele, o governo poderia adotar uma contabilidade pública mais "sofisticada" do que a que prioriza a geração de caixa.

"O superávit primário é a geração de caixa, uma espécie de Ebitda (o lucro antes de descontar impostos, juros e amortizações das empresas). É importante? É claro, mas para o curto prazo. No médio e longo prazo, interessa ao mercado é o lucro, o dividendo da empresa. A geração de caixa pode ser driblada: se você tem uma meta, basta tomar decisões de última hora e atingir aquilo, mas não necessariamente essas decisões são importantes para o longo prazo", diz Machado.

Para ele, o governo deveria caminhar para a contabilidade tradicional das contas públicas, que leva em consideração receitas e despesas correntes. Desta forma, tal qual ocorre nos EUA, poderia trabalhar com um indicador de superávit ou déficit orçamentário. Para ele, o governo poderia fazer a mudança de forma gradual. Ao invés de abandonar imediatamente o conceito de superávit primário, poderia começar reduzindo a meta, hoje em cerca de 3,1% do PIB, para algo como 2,5% ou mesmo 2% do PIB, e, ao mesmo tempo, começar a contabilidade tradicional./ j.v.