Título: Militares ordenaram por escrito silêncio sobre tortura
Autor: Moura, Rafael Moraes
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/02/2013, Nacional, p. A11

A Comissão da Verdade reve­lou ontem que o govemo mili­tar determinou a todos os agen­tes públicos no Brasil e no exte­rior, a partir de 1972, que não atendessem a nenhum pedido de esclarecimento de organiza­ções nacionais e internacionais sobre mortos e desaparecidas em consequência da repressão.

A determinação foi feita por es­crito: saiu do gabinete do presi­dente da República, general Emí­lio Garrastazu Médici, e foi assina­do pelo secretário-geral do Conse­lho de Segurança Nacional, o tam­bém general João Baptista de Oli­veira Figueiredo, que viria a ser o último presidente do regime anos depois. O ato foi uma reação espe­cífica às ações da Anistia Interna­cional, que vinha denunciando e cobrando esclarecimentos sobre violações de direitos humanos, co­mo torturas, desaparecimentos e assassinatos de opositores.

O documento se tornou uma espécie de orientação geral que vigorou ainda no governo poste­rior, do general Ernesto Geisel.

A ditadura, segundo o coorde­nador da Comissão Nacional da Verdade, Cláudio Fontele, temia as repercussões que denúncias so­bre violações de direitos huma­nos pudessem causar entre militares e policiais civis envolvidos di­retamente com a repressão. "Para manter a coesão de sua estrutura repressiva", escreveu o coordena­dor da comissão, "o Estado ditato­rial militar fecha-se, aniquila as li­berdades públicas e, incontrolado sobrepõe-se a todos e a tudo".

"Desmoraliiação". Em 1976, a Informação Confidencial n.° 22/16/AC, da Agência Central do Serviço Nacional de Informa­ções, tinha como foco principal a "campanha internacional de desmoralização" de membros das unidades de repressão.

Incluía entre os organizadores dessas campanhas a Comissão Interamericana de Direitos Huma­nos da OEA, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a Anistia Internacional e, com maior destaque, a Ordem dos Ad­vogados do Brasil (OAB).

No fundo, segundo a ditadura, todas essas entidades eram mani­puladas pelo que chamava de Mo­vimento Comunista Internacional. Seu objetivo era "colocar no banco dos réus os elementos res­ponsáveis pelo quase total desba­ratamento das organizações sub­versivas que atuam no Brasil."

O informe do SNI cita uma lista, que circulava no Brasil e no ex-terior, com nomes de supostos torturadores. Identifica-os como oficiais e praças das Forças Arma­das, a maioria do Exército, e assi­nala que sempre atuaram sob or­dens de seus chefes. Na parte final destaca que essas denúncias aca­bam provocando o "surgimento de um clima de desestímulo e de certa apreensão entre os compo­nentes dos órgãos de segurança". E mais: "Parece-lhes que as autori­dades superiores os estão colo­cando, indiscriminadamente, sob suspeição e que estão dando crédi­to às denúncias recebidas."

O ataque particular à OAB de­via-se principalmente a um pedi­do de esclarecimentos sobre a si­tuação dos presos políticos, feita em novembro de 1975. A princi­pal providência tomada pelas au­toridades na época foi um pedi­do de exame grafotécnico das as­sinaturas do documento e a iden­tificação de seus autores.