Título: Divulgar agora ou deixar tudo para as conclusões finais?
Autor: Moura, Rafael Moraes
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/02/2013, Nacional, p. A11

Após nove meses no ar, a Comissão Na­cional da Verdade atravessa uma zona de pequena turbulência. Ela é mar­cada pelas diferentes concepções de seus sete integrantes sobre a maneira de tratar as informações que vão sendo reunidas aos pou­cos pelo grupo.

Enquanto alguns desses membros defendem a divulgação imediata e permanente de docu­mentos, depoimentos e avaliações, outros reco­mendam mais circunspecção e cautela. Para o primeiro grupo, manter a comissão em evidência é importante porque contribuipara o debate educa­tivo em torno das mazelas da ditadura. O segundo, no entanto, acha que se deve mirar mais o relató­rio final e suas contribuições para a sociedade.

Há divergências sobretudo emt orno dos depoi­mentos que estão sendo recolhidos. Embora es­sas divergências já tenham provocado alterações de batimentos cardíacos nas reuniões de segunda- feira, em Brasília, o impasse deve permanecer.

Para o público externo, as únicas mudanças per­ceptíveis serão as decorrentes do rodízio do cargo de coordenador: seelefizer parte do primeiro gru­po, os relatos, entrevistas e manifestações serão mais frequentes; se integrar o segundo, esse fluxo tende a diminuir.

O atual coordenador, Claudio Fonteles, é do primeiro time. Ex-procurador-geral da Repúbli­ca, utilizou o cargo temporário para promover de­bates políticos, estimular a formação de comis­sões da verdade por todo o País, divulgar docu­mentos e conclusões e, de sobra, organizar uma espécie de movimento permanente de resistência às ideias autoritárias. O tom de seu discurso na inauguração da comissão da União Nacional dos Estudantes (UNE), dias atrás, apontoufirme nes­sa direção.

Não se deve esperar a mesma coisa de seu suces­sor a partir do dia 15, o sociólogo Paulo Sérgio Pinheiro. Mais próximo de atividades diplomáti­cas e estudioso das atividades de comissões de outros países, ele tende aimprimir um ritmo dife­rente ao dia a dia da comissão.

O trabalho não anda fácil. Apesar do empenho, os participantes da comissão têm que se dividir entre as atividades profissionais particulares e o trabalho do grupo.

Nessa correria, captura-se às vezes uma ou ou­tra manifestação de descontentamento com rela­ção a um dos sete escolhidos: ele não estaria se empenhando tanto quanto os colegas. Daí, prova­velmente, os boatos de que a presidente Dilma Rousseff faria uma troca no time.

Até agora, a comissão e a Presidência da Repú­blica procuraram manter a máxima distância possível - o que é compreensível e adequado. Afinal, a comissão foi criada e instalada com a missão de servir ao Estado e não ao governo. Presume-se que deve, portanto, ter a máxima autonomia para funcionar bem.

Em maio, quando completar um ano de fun­cionamento, a comissão deve apresentar o pri­meiro relatório mais consubstanciado de seus trabalhos. Será uma boa oportunidade para se avaliar o que tem sido feito.

Também será o momento de examinar a atua­ção das comissões paralelas que foram e ainda estão sendo criadas por todo o País. Uma delas, a da Câmara Municipal de São Paulo, abriu e encerrou suas atividades no ano passado sem deixar contribuições significativas para o esfor­ço que se faz para o esclarecimento dos fatos que envolveram a ditadura militar.