Título: O pedágio vai encarecer
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Fonte: O Estado de São Paulo, 06/02/2013, Notas e informações, p. A3

A bandeira da recu­peração do papel do Congresso Na­cional, alçada pe­los seus novos di­rigentes, o sena­dor Renan Calheiros e o depu­tado Henrique Alves, merece­ria respeito não fosse por um detalhe: os fins que os movem e os meios a que recorrem para alcançá-los. Se o espírito públi­co tivesse algo que ver com uma coisa e outra - e com os votos que os elegeram entre a sexta-feira passada e anteon­tem -, a democracia só teria a ganhar com o advento de uma nova relação de forças entre o Executivo (hegemônico) e o Le­gislativo (desidratado). Isso não apenas revigoraria o deba­te das questões nacionais, que desapareceu dos plenários fede­rais, como, ao menos em tese, aumentaria a probabilidade de que as leis do País resultassem antes de entendimentos ama­durecidos entre os dois Pode­res do que da vontade domi­nante do Planalto.

Não é que o Executivo não perca votações no Congresso, quando grupos de interesses dos quais os parlamentares são devedores fazem valer a sua in­fluência. Mas o ponto central é que a agenda legislativa é sabi­damente caudatária das inten­ções dos governantes de turno. E a verdade desalentadora é que as declarações de indepen­dência que emanaram esses dias do Congresso têm por me­ta exclusiva ampliar a capacida­de de barganha das caciquias da base aliada - não para cum­prir os programas políticos das suas agremiações, pois estes só existem pro forma, nem para produzir leis melhores, mas pa­ra encarecer o pedágio que o Planalto é constrangido a pa­gar nas votações, sob a forma de cargos, verbas e obras nos currais de suas excelências. Um partido como o PMDB de Renan Calheiros e Henrique Al­ves simplesmente não existe para outra coisa. Tampouco eles e suas corriolas.

A altissonância dos seus pro­nunciamentos teve ainda uma finalidade imediata: abafar, co­mo que no grito, os escândalos de que são protagonistas. Um, o senador, denunciado por pe­culato, falsidade ideológica e utilização de documentos fal­sos. Outro, o deputado, alvo de uma ação de improbidade admi­nistrativa por enriquecimento ilícito. Daí o coro, engrossado pelo então presidente da Câma­ra, o petista Marco Maia, no seu discurso de saída, de que a imprensa transmite uma ima­gem degradada da instituição parlamentar e do ofício de seus membros. Até a presidente Dilma aderiu à farsa ao afirmar, em mensagem ao Congresso, que a atividade política vem sendo "vilipendiada". Se falou para fazer um agrado aos presu­míveis vilipendiados ou porque acredita nessa enganação, pou­co importa. O fato singelo é que o vilipêndio da política não existe porque a política deixou de existir, fulminada pela com­binação letal de uma maioria que só se ocupa de seus interes­ses e de uma oposição sem voz nem rumo. O que há e viceja são crimes cometidos pelos po­líticos de que a imprensa e a Justiça se ocupam.

Não admira que contra essas instituições se volte a furia do PT, na esteira do julgamento do mensalão, com o endosso de seus companheiros de proveito­sa viagem. O ex-presidente da Câmara, Marco Maia, inventou a patranha de que "setores da grande imprensa questionam a existência e a própria finalidade do Poder Legislativo" e se disse preocupado cóm as "interpreta­ções circunstanciais da Consti­tuição por parte do Judiciário". O que está em jogo é a decisão do STF sobre o destino dos mènsaleiros condenados com assento na Câmara: José Genoino e João Paulo Cunha, do PT, Valdemar Costa Neto, do PR, e Pedro Henry, do PP. A Corte en­tendeu que, findo o julgamen­to, eles serão automaticamente cassados. É o que determina o artigo 55 da Carta: "Perderá o mandato o deputado ou sena­dor que (...) sofrer condenação criminal com sentença transita­da em julgado". Já Henrique Al­ves acha "lógico" que a palavra final seja da Câmara, por terem sido os seus membros "aben­çoados pelo voto popular".

A bêncão não basta. Como o presidente do STF, Joaquim Barbosa, explicou ao chegar pa­ra a posse de Alves, "no Brasil (em relação a), qualquer assun­to que tenha natureza constitu­cional, uma vez judicializado, a palavra final é do Supremo Tri­bunal Federal". Nada mais dis­se - nem precisava.