Título: Assassinato de opositor causa revolta na Tunísia e faz líder dissolver governo
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Fonte: O Estado de São Paulo, 07/02/2013, Internacional, p. A10

O primeiro-ministro da Tuní­sia, Hamadi Jebali, anunciou ontem a dissolução do gover­no e novas eleições. A decisão foi tomada horas depois do assassinato do líder da oposi­ção, Chokri Belaid, da Frente Popular, aliança de partidos de esquerda crítica dos islamistas no poder. O crime desencadeou nova onda de pro­testos no país, dois anos após a deposição do presidente Zine al-Abidine Ben Ali, estopim da Primavera Árabe.

Belaid, advogado de 48 anos, foi morto com quatro tiros quando deixava sua casa, em Túnis. Assim que receberam a notícia, milhares de tunisianos foram pa­ra as ruas da capital. Um policial morreu no confronto com os ma­nifestantes. O Exército colocou tanques nas ruas para ajudar a conter os protestos.

Líderes de quatro partidos dai oposição ameaçaram deixar a Assembleia Nacional e convocaram uma greve geral, o que levou o primeiro-ministro a decidir pea dissolução do gabinete.

Ele anunciou a formação de um governo de transição integra­do por tecnocratas para condu­zir o país até a realização de no­vas eleições no fim do ano ou "o mais rápido possível". "Depois do fracasso das negociações entre as partes sobre mudanças no gabinete, decidi formar um pequeno governo tecnocrata" , disse Jebali, em discurso.

O primeiro-ministro classifi­cou o crime como "ato de terro­rismo" e "assassinato político, o assassinato da revolução tunisiana". A crise política lança dúvidas sobre o sucesso e o futuro da transição da ditadura de Ben Ali - regime que durou 23 anos - pa­ra a democracia, que até agora era vista como modelo a ser seguido no mundo árabe.

Como há dois anos, os mani­festantes gritavam slogans pedindo o fim do governo: "O povo quer a queda do regime".

Eles acompanharam a ambu­lância que levava o corpo de Be­laid ao longo da Avenida Bourguiba e reuniram-se na frente do prédio do Ministério do Interior, no centro da capital, palco da Primavera Árabe. A polícia usou bombas de gás lacrimogê­neo para dispersar a multidão.

Opositores acusam o governo de negligência, se não cumplicidade, no assassinato.

Belaid era conhecido como um dos maiores críticos do atual regime, nas mãos de uma coalizão liderada pelo partido moderado islamista Ennahda.

A viúva do líder político, Basma Belaid, disse que ele vinha recebendo ameaças e acusou abertamente o Ennahda pelo crime.

A oposição pedia ontem a re­núncia de ministros do Ennahda. Parte do motivo está na criação, há alguns meses, pelo partido islamista da Ligs de Proteção da Re­volução, que se tornara, segundo críticos, um esquadrão velado contra comícios da oposição. Na noite anterior ao seu assassinato, Belaid pediu em entrevista à TV Nessma a dissolução da liga e acusou o Ennahda de "incitar a violência". Disse ainda que aqueles que se opõem ao Ennahda "tornam-se alvos de violência."

Em discurso no Parlamento Europeu, em Estrasburgo, na França, o presidente tunisiário, Moncef Marzouki, do partido se­cular que é parte da coalizão no poder, disse que o assassinato de Belaid representa uma ameaça a todos os tunisianos. Diante da crise, ele cancelou uma visita agendada ao Cairo.

Reação. "Não há justificativa para um ato de violência covarde e ultrajante como este", disse a porta-voz do Departamento de Estado americano, Victoria Nuland. "Não existe lugar para a vio­lência na nova Tunísia. Pedimos ao governo que conduza uma in­vestigação justa, transparente e profissional para garantir que os responsáveis sejam levados à Jus­tiça, de acordo com as leis da Tunísia e o direito internacional."

O presidente da França, François Hollande, demonstrou preocupação com a onda de violência no país. "Esse assassinato priva a Tunísia de uma de suas vozes mais corajosas e livres", expressou. O funeral de Belaid está previsto para sexta-feira, para quando os manifestantes prometem novos protestos. /