Título: Revolução no comércio internacional
Autor: Barbosa, Rubens
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/02/2013, Espaço aberto, p. A2

Fonte de crescimen­to e de emprego, o comércio interna­cional está em meio a significati­vas mudanças, lide­radas por EUA e China, que pro­curam ajustar suas políticas ex­ternas e comerciais à nova or­dem internacional multipolar. Observa-se hoje a proliferação de acordos regionais e bilate­rais e a multiplicação de medi­das restritivas e protecionistas, em grande parte devidas ao fra­casso das negociações multilaterais da Rodada Doha e ao en­fraquecimento da Organização Mundial do Comércio (OMC).

As limitações políticas e técni­cas da OMC refletem as dificul­dades para responder aos desa­fios surgidos com as novas for­mas de organização da produ­ção e de serviços e com a cres­cente integração dos países às cadeias produtivas globais. Pa­ra voltar a ter um papel central no sistema de comércio interna­cional a OMC deveria passar por uma ampla reforma a fim de ajustá-la às mudanças globais dos novos tempos. O processo decisório de uma instituição de 158 membros tornou-se muito mais complexo, embora os pro­cedimentos tenham continua­do com poucas mudanças em relação a 1995, quando, no mo­mento de sua criação, havia apenas 76 membros. A questão da cláusula de nação mais favoreci­da, um dos principais pilares da OMC e do antigo Gatt, o trata­mento preferencial e diferencia­do e o princípio do "single undertaking" (ou compromisso úni­co) nas negociações multilaterais (nada está aprovado en­quanto todos os acordos não es­tiverem aprovados) estão sen­do contestados e provavelmen­te terão de sofrer ajustes para responder aos desafios emer­gentes. Novos conceitos como cadeia de fornecimento global e manipulação das taxas.de câm­bio terão impacto sobre as nego­ciações internacionais.

Em reação a essas mudanças, os EUA, a Europa e a Ásia estão avançando entendimentos pa­ra a negociação de acordos de livre-comércio de grande por­te. A Parceria Trans-Pacífica, li­derada pelos EUA, concentra 40% do PIB global e inclui Aus­trália, Malásia, Vietnã, Cingapura, Nova Zelândia, Chile, Peru, Brunei, Canadá, México e tal­vez Japão e Coreia do Sul. Os EUA já haviam firmado acor­dos com o Canadá e o México (Nafta) e mais recentemente com Panamá, Colômbia, Peru, Chile e Coreia do Sul. A União Européia, apesar da pesada bu­rocracia de Bruxelas, finalizou acordo de livre-comércio com a Coreia do Sul e está negocian­do com Cingapura e Canadá. E iniciou conversação com o Ja­pão e o Mercosul. Bruxelas e Washington conversam para avançar os entendimentos de um mega-acordo de comércio e investimento, chamado de Acordo de Livre Comércio Transatlântico (Tafta, na sigla em inglês). A Ásia, numa com­pleta mudança de posição, em­barcou numa série de acordos de livre-comércio regionais, sob a liderança da China e do Japão, inclusive com países sul- americanos.

Sendo os EUA e a Europa dois dos principais parceiros do Brasil, é importante enten­der o significado do Tafta e suas implicações para os países que ficarem de fora.

A eventual formação de uma área de livre-comércio entre es­sas duas regiões englobará três quartos do mercado financeiro, metade do PIB global e quase um terço do comércio interna­cional. Grupo de Trabalho de Al­to Nível criado pela União Europeia e por Washington deverá apresentar ainda neste mês as suas recomendações. Serão su­geridas, entre outras regras, a inclusão de serviços e investi­mentos, compras governamen­tais, propriedade intelectual e outras regras gerais de comér­cio, além da eliminação das tari­fas e barreiras não tarifárias. Ha­verá um período de transição durante o qual seriam excluídas as reduções tarifárias de "produ­tos sensíveis" e a desregulamentação de "certos setores" em serviços. Espera-se que as nego­ciações possam começar em meados do corrente ano.

Evidentemente, essa ambi­ciosa agenda apresentará difi­culdades para conciliar histó­ria, cultura e práticas locais, co­mo padronização, Buy Ameri­can Act, patentes farmacêuti­cas (genéricos), meio ambien­te e leis trabalhistas, sem falar de problemas políticos de ou­tra magnitude, como a even­tual saída do Reino Unido da União Européia.

Os países em desenvolvimen­to poderão ficar muito afetados pelos mencionados mega-acordos de livre-comércio; pela ex­clusão dos benefícios, por obri­gá-los a aceitar compromissos de difícil cumprimento e pelo fortalecimento do poder inter­nacional dos setores financei­ros, talvez os principais benefi­ciários desses processos de inte­gração econômica e comercial.

Nesse contexto de grandes movimentos de transformação no comércio internacional; o Brasil está sem estratégia de ne­gociação comercial.

Caso os acordos EUA-União Européia (Tafta) e dos EUA com países asiáticos (Trans-Pacific Partnership) sejam con­cluídos, o Brasil ficará alijado dos dois maiores fluxos de co­mércio internacional. A elimi­nação de tarifas entre os países-membros desses dois blocos afetará ainda mais a competiti­vidade dos produtos brasilei­ros, que praticamente ficarão excluídos desses mercados.

A política Sul-Sul dos últitnos dez anos, no tocante à África e ao Oriente Médio, pouco resul­tou do ângulo comercial. A Aliança do Pacífico (Chile, Mé­xico, Peru e Colômbia) repre­sentou uma ação geoeconômica importante pela aproxima­ção dos EUAe da Ásia. O Merco­sul, que pediu para ser observa­dor da Aliança, encontra-se em situação de quase total isola­mento. Nos últimos dez anos firmou três acordos de livre-co­mércio com Israel, Egito e Auto­ridade Palestina, além de acor­do de preferência tarifária com a índia e a África do Sul. A nego­ciação do grupo com a União Eu­ropéia torna-se crucial para po­dermos estar sintonizados com essas transformações globais.

Se as negociações com a Co­missão Europeiá não avança­rem, não restará alternativa ao Brasil, no âmbito do Mercosul, senão fazer um acordo em sepa­rado com a União Européia, pa­ra resguardar nossos interesses.