Título: Agências reguladoras aplicam multas, mas não recebem nem metade do valor
Autor: Fabrini, Fábio
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/02/2013, Nacional, p. A4

Atingidas por denúncias de corrupção e criticadas na fun­ção de controle de serviços pú­blicos, as agências regulado­ras tiveram em 2011 e 2012 de­sempenho fraco na fiscaliza­ção e punição de empresas sob sua responsabilidade. Relató­rios obtidos pelo Estado, por meio da Lei de Acesso à Infor­mação, mostram que a arreca­dação com multas alcançou, no máximo, 45% do valor co­brado naqueles anos.

Alvo da Operação Porto Seguro, da Polícia Federal, que desba­ratou esquema de venda de pareceres por servidores públicos, a Agência Nacional de Transpor­tes Aquaviários (Antaq) aplicou, nos dois anos, R$ 3,45 milhões em multas, dos quais R$ 1,94 mi­lhão (34%) entrou no cofre. Ou­tros R$ 335,1 mil estão sendo par­celados. Gestores públicos e em­presas portuárias que descumpríram normas do setor devem ainda R$ 1,9 milhão.

Na Agência Nacional de Avia­ção Civil (Anac) - cujo ex-diretor Rubens Vieira foi preso pela Por­to Seguro, acusado de envolvi­mento com a quadrilha dos pare- ceres -, a receita também ficou aquém do almejado. O valor co­brado no biênio alcança R$ 74,5 milhões. Menos da metade (R$ 33,6 milhões) entrou no cofre. O valor arrecadado inclui o paga­mento de multas de 2011, 2012 e anos anteriores. O órgão apresen­ta os números gerais da fiscaliza­ção, mas recusa-se a informar da­dos específicos de cada proces­so, embora sejam públicos.

Responsável pelo controle dos planos de saúde, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) não recolheu nem 2,5% das multas publicadas no biênio. Elas somam R$ 536,7 milhões, se­gundo tabela fornecida pelo ór­gão. Por ora, R$ 11,4 milhões fo­ram quitados em pagamento úni­co e R$ 1,5 milhão, parcelado.

A Agência Nacional do Cine­ma (Ancine) arrecadou, entre multas quitadas e parceladas, no máximo 5% do total cobra­do: R$ 5,1 milhões. A Agência Na­cional de Energia Elétrica (Aneel) pleiteia R$ 957,8 mi­lhões, mas a receita não passou de R$ 105 milhões (11%).

Telefonia. A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) gerou R$ 207,7 milhões em mul­tas, mas recebeu R$ 13,6 milhões (6,5%). Permanecem pendentes 2.500 autuações. Operadoras de telefonia e outras empresas do setor só têm arcado com débitos irrisórios; quando o valor ultra­passa a casa do milhão, dão calo­te ou recorrem à Justiça.

As 22 maiores multas aplicadas pela Anatel no período não foram pagas -15 delas estão sendo discu­tidas nos tribunais. Do total co­brado, 63% estão sub judice. Por esse mecanismo, a Oi protela o pagamento de R$ 35,7milhões; a Telefônica, mais R$ 44,4 milhões. Desde 2000, R$ 2,1 bilhões em multas foram aplicadas pela Ana­tel, mas R$ 1,2 bilhão está sendo questionado na Justiça. "As em­presas entram na Justiça com qualquer argumento. O intuito é meramente protelatório", diz o procurador-geral da agência, Victor Epitácio Cravo Teixeira.

Dar calote nas agências regula­doras, não raro, compensa, pois o processo de cobrança é lento. Cabe a elas inscrever a empresa multada no Cadastro Informati­vo de Créditos Não Quitados do Governo (Cadin) e na Dívida Ati­va da União para, em seguida, executar o débito na Justiça. Re­latório do Tribunal de Contas da União (TCU) apresentado em 2012 mostra que, de 2008 a 2011, 17 órgãos de fiscalização - entre eles as dez agências reguladoras - aplicaram média de 14 mil mul­tas por ano. Apesar da alta ina­dimplência, anualmente houve 926 inscrições por órgão no Cadin. Nesses quatro anos, as mul­tas somaram R$ 29 bilhões, dos quais R$ 1,6 bilhão foi efetiva­mente arrecadado.

Recursos. Segundo o TCU, cujo porcentual de recolhimen­to também é pífio (8,3% no pe­ríodo), o problema se deve a um caldo de fatores: excesso de ins­tâncias para recursos, falta de estrutura para analisá-los, ex­cesso de multas suspensas ou canceladas pela Justiça e as próprias agências.

Para o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), os dados demonstram a fragilidade do sistema de regulação na sua principal função - fiscalizar. "O aparato das agências é insufi­ciente. É necessário reavaliar a estrutura", diz a gerente jurídica do Idec, Maria Elisa Novais. Para ela, outros mecanismos de puni­ção devem ser adotados, como a proibição de vender produtos.

O presidente da Sociedade Bra­sileira de Direito Público, Carlos Ari Sundfeld, diz que falhas nos regulamentos favorecem a ina­dimplência. Os tipos de penalida­de (notificação, multa, advertên­cia, suspensão) são descritos de forma genérica, sem precisar em quais situações cada um se aplica. "As normas são amplas, o que ge­ra o interesse das empresas em questionar." Para a advogada Letícia Queiroz de Andrade, espe­cialista em Infraestrutura e Direi­to Regulatório, outro problema são as obrigações criadas via reso­luções, não previstas no contrato de concessão.