Título: Bento XVI pede renovação verdadeira da Igreja para evitar a perda de fiéis
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Fonte: O Estado de São Paulo, 15/02/2013, Vida, p. A12

Após ter criticado a "hipocrisia religiosa" e as "divisões no corpo eclesial", o papa Bento XVI usou ontem seu último encontro com o clero da Diocese de Roma para pedir uma "verdadeira renovação" da Igreja Católica. Em uma espécie de conselho não só aos sacerdotes presentes, mas a todos aqueles que conduzirão a Igreja após sua renúncia, até mesmo ao novo papa, Bento XVI procurou retomar o espírito de mudança proposto pelo Concilio Vaticano 2.0 (1962-1965).

O pontífice disse que é preciso valorizar "a comunhão na Igreja" e 50 anos após o Concilio, "ainda há muito o que fazer". Um dos principais desafios do próximo conclave será escolher ; um papa com vigor para renovar a Igreja e superar as divisões que marcam a Santa Sé. Bento XVI, segundo a revista italiana Panorama, teria acelerado sua ideia de renúncia depois de ver os resultados de uma investigação por ele encomendada que mostrou uma"resistência generalizada" na Cúria Romana por mudanças e mais transparência. O documento teria sido entregue a ele no dia 17 de dezembro.

Ontem, Bento XVI usou novamente uma aparição pública para alertar que, sem uma renovação e sem superar resistências, a Igreja estaria sob ameaça. Para muitos presentes, isso foi uma espécie de alerta ao conclave - e também ao próximo papa - sobre a tarefa que terá pela frente diante de um dos principais problemas; a perda de fiéis.

Para alguns mais entusiastas, o pedido de renovação do papa também significaria uma abertura para uma eleição de um pontífice do mundo em desenvolvimento, como África, América Latina ou Ásia, ainda que vozes no Vaticano insistam que essa questão não é central.

Com relativo vigor, bom humor e serenidade, o papa dedicou a reflexão improvisada à sua própria experiência pessoal como umjovem perito no Concilio Vaticano 2°, iniciado por João XXIÍI em 1962 e concluído sob Paulo VI em 1965. Referindo-se àquela ocasião, Bento XVI recordou: "Todos acreditavam que se devia prosseguir com a renovação." Havia, segundo ele, "uma esperança incrível, um novo Pentecostes", observou, numa analogia ao relato bíblico em que os apóstolos são enviados pelo Espírito Santo para pregar no mundo inteiro. Alguns teólogos definem Pentecostes como o verdadeiro início da Igreja.

Num esforço para mostrar que o entusiasmo por uma reforma também faz parte da história da Igreja, Bento XVI lembrou a batalha entusiástica que havia sido aquele Concilio, transformando rituais arcaicos, como a missa em latim, para um modelo mais moderno. "Mas muito daquilo ainda não foi implementado", lamentou. "Precisamos trabalhar para a realização de um Concilio real e para a real renovação da Igreja", insistiu. "A Igreja é um organismo, é uma realidade vital. Não é uma estrutura. Nós somos a Igreja", afirmou.

Comunicação. Fontes próximas ao papa explicaram ao Estado que uma das dificuldades em implementar a reforma do Concilio é que, mesmo democratizados, os textos da Igreja precisam ser transmitidos com uma comunicação eficiente, o que não estaria ainda ocorrendo. No Vaticano, há uma impressão de que existem sérios problemas na capacidade do clero em fazer chegar a mensagem da Igreja em várias partes do mundo, além de resistências na reforma interna das instituições para torná-las mais dinâmicas.

Inicialmente comportada, a platéia de sacerdotes - quase todos vestidos de preto, cor que simboliza "morte para o mundo" - aplaudiu calorosamente o papa quando ele entrou na Sala Paulo VI ao som do hino em latim Tu es Petrusy que homenageia o sucessor do apóstolo Pedro. Bento XVI, obviamente vestido de branco - cor que representa "luz para o mundo" -, logo justificou que suas condições e idade não o permitiram "preparar um grande discurso". "É para mim um dom especial da Providência que antes de deixar o ministério petrino eu possa ainda ver o meu clero, o clero de Roma." Um dos títulos do papa é o de bispo de Roma.

O cardeal vigário de Roma, d. Agostino Vailini, responsável pela administração da diocese, e os seis bispos auxiliares da cidade estavam presentes. Um deles, dom Guerino Di Tora, afirmou ao Estado que a mensagem de comunhão transmitida por Bento XVI vale para todos. "A unidade deve ser uma busca de cada um de nós. Todos temos de realizá-la", declarou. "Temos de voltar o olhar para Deus." D. Paoli-no Schiavon, também bispo auxiliar, completou: "Igreja é um povo em caminho", dando a entender que a renovação pedida pelo papa ocorrerá aos poucos.

O padre Salvatore Scorsa, que tem 86 anos e foi vigário em Roma por dez anos, considerou fortes a mensagem do pontífice em que pediu maior unidade na Igreja: "E bom que exista a diversidade, que haja diferenças. Mas devemos respeitar as pessoas, e não ideias erradas".

Embora a Diocese de Roma possua só cerca de 350 padres, outros 150 são estrangeiros que auxiliam nos trabalhos diários das paróquias locais, especialmente celebrando missas e atendendo confissões. O padre indonésio Josepb Harold, de 42 anos, mestrando em teologia, afirmou sentir com força o retorno de um aggiomamento (atualização, em italiano): “Nós, sacerdotes, temos de abrir nossas portas, mudar as estruturas de poder e dar mais espaço para os leigos”.

Ontem, em entrevista ao jornal italiano La Stampa,"o cardeal sul-africano Wilfrid Fox Napier também pediu “uma renovação espiritual da Igreja” para tirá-la de uma “profunda crise”.

“As instituições da Igreja precisam ajudar na evangelização,e não freá-la”, disse. “Damos, com muita frequência, à imprensa e ao mundo, a ideia de confrontação e carreirismo, e nao de estar servindo aos fiéis”, admitiu. “Os jovens estão esperando por palavras da verdade da Igreja.