Título: O PT se considera vitorioso, mas ideologicamente foi derrotado
Autor: Peron, Isadora
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/02/2013, Nacional, p. A6

Lincoln Secco, professor de História da USP

Para historiador, oposição conseguiu "colar a marca da corrupção" na sigla, que pode perder força para o PSB ou virar um PMDB

Aos 33 anos, completados no úl­timo domingo, o PT, que já ha­via abandonado o discurso so­cialista, assiste, agora, à subtra­ção do discurso da ética após o julgamento do mensalão no Su­premo Tribunal Federal, um processo que abateu e levou à condenação os seus principais dirigentes políticos. A avaliação é do professor da USP Lincoln Secco, autor de A História do PT (Ateliê Editorial).

Para Secco, o PT não conse­gue mais transmitir ao eleitor uma mensagem de esperança como em 1989 e em 2002, quan­do elegeu Luiz Inácio Lula da Silva presidente da República.

"No voto, o PT ainda se man­terá forte por alguns anos", afir­ma o professor, que faz, porém, um alerta: se quiser se manter no poder, o partido terá de se re­cuperar do desgaste ideológico.

Qual PT completou 33 anos? 0 que ficou do PT do Colégio Sion?

O PT teve o mérito de combi­nar uma tradição clássica da es­querda com os novos valores de 1968. O restante da esquerda demorou para incorporar efeti­vamente a defesa das mulheres, negros e homossexuais, por exemplo. O que ele abandonou foi o radicalismo verbal dos seus anos primaveris e a aver­são às alianças com os partidos fisiológicos.

Mas hoje ele é de esquerda?

Esquerda e direita são concei­tos relacionais. Só há dois blo­cos políticos relevantes no Bra­sil e, certamente, o PT está mais à esquerda do que o bloco liderado pelo PSDB.

Existe o risco de, como aconte­ceu na Europa com a saída do poder dos partidos social-democratas, uma direita ainda mais conservadora emergir no Brasil?

O PT é um típico partido social-democrata, mas condensou em pouco tempo o processo de mo­deração que a social-democracia viveu em um século. O de- sencantamento chegou mais rá­pido no PT. No entanto, a extre­ma direita no Brasil só terá chance de ameaçar o PT se as condições internacionais lhe permitirem atuar fora da legali­dade. No voto, o PT ainda se manterá forte por alguns anos.

Lula volta em 2014?

Lula é um patrimônio do PT e de grande parte da sociedade brasileira. Ele poderia ganhar as eleições, mas só seria candi­dato se o governo Dilma vives­se uma crise. Como isso não es­tá no horizonte político, eu creio que ele será o maior cabo eleitoral de Dilma.

Qual o peso de Lula hoje den­tro do PT? E o de Dilma?

O peso de Dilma cresceu por causa de sua condição como presidente. Mas ninguém duvi­da que a última palavra no PT será sempre de Lula. Depois da vitória de Fernando Haddad em São Paulo ele ganhou ainda mais confiança do partido.

O PT ainda pode empunhar um discurso ético após a condenação de figuras históricas no julga­mento do mensalão?

O PT se considera o grande vito­rioso nas ultimas eleições, mas ideologicamente ele foi derrota­do. Em 1989 aconteceu o con­trário: o PT teve uma derrota eleitoral, mas uma vitória mo­ral. Isso foi tão importante que, mesmo com a queda do Muro de Berlim, a diminuição da base de sindicatos importantes da CUT nos anos seguintes e o es­vaziamento militante das ruas, o PT continuou agregando as es­peranças de mudancismo. Ago­ra, não mais.

Por quê?

Porque o PT não tem mais uma mensagem de esperança como tinha em 1989 e em menor me­dida em 2002. Não projeta o novo, apenas gasta um patrimônio ;á constituído. O fato de que depois de sete anos o partido ainda esteja na defensiva no caso do mensalão revela que ele tem sido ideologicamente derrota-do. A oposição conseguiu colar no PT a marca da corrupção.

Mas a defesa da cúpula do PT contra o julgamento do Supremo e essa "marca da corrupção" fo­ram tímidas até agora...

Pessoalmente acho que José Dirceu deveria ser absolvido porque nenhuma Justiça é justa ;quando é seletiva e condena sem provas. Este sentimento perpassa também a base petista. Já a direção do PT comete um erro grave: ou ela defende os condenados, o que ela dificil­mente fará, ou os esquece. O que não é possível é silenciar so­bre o julgamento e, depois, per­mitir que José Genoino assuma o mandato. Expulsar Delúbio Soares e admiti-lo novamente. O Estatuto do PT prevê expul­são de condenados com senten­ça transitada em julgado. Foi uma medida tomada de afogadi­lho depois dos escândalos de 2005. Mas o PT não vai cumprir este artigo depois que o STF pu­blicar o acórdão. Então por que assumiu esta impropriedade?

O sr. disse certa vez que escân­dalos como mensalão não iriam prejudicar a história do PT, mas sim o futuro do partido. Por quê?

Por mais que o partido se mante­nha forte eleitoralmente, no lon­go prazo ele é julgado como pro­dutor de valores. O discurso so­cialista o PT já abandonou, o da ética lhe foi tirado. Seus novos eleitores passarão a ter novas exigências, além de demandas sociais que já foram atendidas.

E qual será o futuro do PT?

Como historiador eu só posso fazer projeções duvidosas. Se a atual tendência de desgaste ideológico se confirmar, o PT continuará sendo uma agremia­ção com votos, mas pode per­der a liderança, seja para o PSB ou mesmo para a oposição. Ele ficaria cada vez mais parecido com o PMDB. Outro cenário se­ria a renovação geracional rápi­da das lideranças, o que já vem acontecendo graças ao próprio mensalão. Só que ela teria que vir acompanhada de um acerto de contas decidido com aqueles episódios de 2005, seja assumin­do tudo o que foi feito em no­me da legitimidade do legado do governo Lula, seja abando­nando de vez seus velhos diri­gentes e redefinindo-se como agremiação supostamente repu­blicana e de centro.

O PT precisa rever estratégias para não perder o poder?

O PT não precisa mudar a estra­tégia, pois ela deu certo até ago­ra. O que acontecia em São Pau­lo? Ele tinha o voto da periferia, mas no resto do Brasil os mais pobres se dividiam e apoiavam majoritariamente a direita. Ho­je, o PT tem forte apoio entre os mais pobres. O que ele não pode perder é a nova classe tra­balhadora que ele ajudou a inte­grar no mercado. / i.p.