Título: Reflexos da crise demoraram a chegar ao Brasil
Autor: Dantas, Iuri
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/02/2013, Economia, p. B6

Em nenhum dos documentos do BC é possível antever o tamanho do estrago na economia mundial

BRASÍLIA

A maior crise financeira internacional desde a Grande Depressão de 1929 chegou lentamente aos indicadores da economia real no Brasil, a julgar pelas apresentações técnicas de conjuntura das reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom) nos meses finais de 2008. Investidores e empresários ouvidos pelo Banco Central concordavam em manter a cautela, preocupados com a inflação do ano seguinte. Em nenhuma página dos documentos é possível antever o tamanho do estrago e a duração da turbulência na economia mundial, que vem até hoje. A cinco dias da quebra do Lehman Brothers, o banco de investimentos americano cuja falência congelou o sistema internacional de crédito,os técnicos do BC viam possibilidade de recessão no Reino Unido e no Japão. Nos Estados Unidos, a crise de crédito se acentuava. Até a China indicava que iria desacelerar, com recuo no ritmo de aumento de preços.

Mas o Brasil vivia situação bem diferente, segundo os documentos: o mercado de trabalho estava aquecido, o crédito em boa ordem e a demanda dos consumidores brasileiros era tanta que se distanciava da capacidade de produção das empresas, gerando inflação. O mercado via a inflação nacional acima do centro da meta até o ano seguinte. Para segurar as expectativas e baixar o IPCA em direção aos 4,5% definidos como meta pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), o Copom aumentou os juros básicos de 13% para 13,75%. A três meses do fim do ano, os técnicos do BC anotavam um cenário inimaginável, olhando em retrospectiva. O Lehman Brothers não existia mais. As bolsas internacionais só faziam despencar. Mas o retrato da economia brasileira feita aos diretores do Copom estava mais para a marolinha citada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O “setor público deve contribuir com a manutenção de investimentos e massa salarial”, dizia um trecho da apresentação técnica. “Alguns setores, em especial de bens de consumo duráveis, apontam para redução da produção em outubro, mas prevalece certo otimismo.” E o setor mais sensível da economia ainda resistia:“ Ainda não foram mencionados cortes de postos de trabalho e a maioria dos investimentos programados está mantida.” Em dezembro, o Copom volta a se reunir.

Há “sinais de redução da atividade econômica” e “forte deterioração das expectativas em outubro e novembro”, segundo os técnicos. No mercado de trabalho houve “redução das contratações, mas permanece com desemprego em baixa.” Um dos poucos erros dos técnicos ocorreu ali. Eles previam maior desemprego e demissões. “Maior impacto deverá acontecer no primeiro semestre de 2009” no mercado de trabalho. Erraram. O Brasil saiu da crise em abril daquele ano, e a taxa de desemprego, após subir em março, voltou a cair dali em diante. Começou 2009em 8,1%. Terminou em 6,8%. / I.D