Título: BC segurou taxa de juro no início da crise global
Autor: Dantas, Iuri
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/02/2013, Economia, p. B6

Quando a economia brasileira sentiu o baque da crise internacional, em setembro de 2008, com a quebra do banco de investimentos Lehman Brothers, a primeira preocupação do Banco Central não foi inflação ou recessão. Ataques especulativos ao real e a questão cambial foram determinantes, na época, para que o BC elevasse os juros cinco dias antes de o Lehman pedir falência e mantivesse a taxa inalterada até o fim daquele ano. A avaliação do BC foi reconstituída por dois caminhos: as apresentações técnicas de conjuntura, produzidas por servidores do banco, e conversas do Estado com economistas presentes às reuniões de 2008, que pediram anonimato ante a sensibilidade do tema. As mais de mil páginas técnicas passaram quatro anos em sigilo. Vieram à tona no fim de 2012. Por sua vez, os economistas só toparam voltar ao tema por causa dos documentos. No início da noite de 10 de setembro de 2008, o BC elevou a Selic a 13,75% ao ano. Prosseguia com um ciclo de alta iniciado em março. Esse processo seria interrompido cinco dias depois, com a falência do Lehman Brothers. O BC brasileiro só voltaria a elevar os juros em abril de 2010.

Liquidez.

Enquanto a Selic permanecia imóvel, em nível elevado, o BC brasileiro atacava problemas de liquidez. Era preciso manter a oferta de dinheiro aos bancos e empresas nacionais. “Em agosto,o dólar descolou, começou a subir e o mercado internacional passou a fechar”, contou uma fonte. O Banco Central ofereceu linhas de empréstimo e permitiu o uso dos compulsórios, os depósitos que os bancos deixam sem rendimento no BC por segurança. Segundo outro integrante do Copom de 2008, uma queda da Selic naquele momento não resolveria o problema porque não atacaria o canal de transmissão da crise. Pelo contrário, argumentou o economista, uma redução dos juros poderia gerar efeitos nocivos à economia,como ocorreu no Japão após o estouro da bolha imobiliária em 1991. O aís relaxou a política monetária e injetou bilhões no mercado, mas a economia não se recuperou. Por outro lado, a flexibilidade resultou numa dívida equivalente a 211% do Produto Interno Bruto (PIB).

Ataque.

No último trimestre de 2008, o câmbio ocupava a liderança da lista de preocupações do Copom. Segundo os economistas, cortar os juros não seria apenas inútil para combater a crise. Reduzir o custo do dinheiro, e consequentemente a remuneração de títulos nacionais, colocaria pressão sobre as reservas internacionais. Havia um ataque especulativo contra o real. Esse ataque era representado por uma série de diferentes negócios no mercado financeiro. Segundo um dos integrantes do Copom ouvidos pelo Estado, bancos internacionais apostavam na desvalorização do real. Investidores retiravam dinheiro do País por acreditar que o Brasil não resistiria à turbulência na economia global. Grandes apostas foram feitas na desvalorização contínua do real em relação ao dólar. Se eles acertassem, o ganho seria considerável. “Tinha muito banco estrangeiro na outra ponta, era um rastilho de pólvora”,nas palavras de um dos economistas. A situação era agravada pelo “flight to quality” ou “voo para a qualidade”. O investidor, preocupado com o cenário da economia global, vendia o que possuía no Brasil e comprava títulos da dívida americana. As “treasuries” são vistas como o ativo mais seguro do mundo, porque os Estados Unidos nunca deram calote em suas obrigações.

Atratividade

Portanto, no entendimento de participantes do Copom de 2008, cortar os juros ali seria o mesmo que jogar gasolina na fogueira. Reduziria a atratividade dos títulos brasileiros e, por consequência, aumentaria a saída de dólares do País. O BC brasileiro seria forçado a oferecer divisas das reservas e isso poderia sair do controle, provocando uma nova crise dentro da turbulência internacional. No caso do Brasil de 2008,um integrante do Copom acredita que a situação só foi resolvida quando o ex-presidente Henrique Meirelles e o então diretor de Política Monetária Mário Mesquita obtiveram do Federal Reserve, o banco central americano, uma linha de empréstimo diretamente em dólares. Nunca foi usada, mas serviu de colchão de confiança e desarmou o ataque ao real.