Título: A crise de energia e as soluções
Autor: Goldemberg, José
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/02/2013, Espaço aberto, p. A2

As causas da crise de eletricidade que enfrentamos têm sido ampla­mente discutidas na imprensa e pa­recem ser bem compreendidas: a expansão do sistema de hidre­létricas - a principal fonte de energia elétrica no Brasil - tem sido feita nas últimas décadas em usinas a fio d"água. Isto é, sem reservatórios de água que mantenham as usinas em fun­cionamento mesmo quando não chove durante longos perío­dos de tempo.

Isso não é culpa do atual go­verno federal, mas da incapaci­dade geral dos governos, desde 1990, de se engajarem num diá­logo maturo com os ambienta­listas e os movimentos sociais contrários à construção de bar­ragens para aformação de reser­vatórios. A oposição ao governo Fernando Henrique Cardoso es­timulou esses movimentos e pa­ga agora o preço elevado que de­les resultou.

Várias organizações ambien­talistas, como a WWF-Brasil, tentaram iniciar esse diálogo, mas suas propostas foram rece­bidas com indiferença pelo go­verno, apesar de serem eminen­temente razoáveis: escolher na Amazônia as bacias hidrográfi­cas nas quais barragens e hidre­létricas poderiam ser construí­das e preservar outras bacias em seu estado natural.

Atualmente os reservatórios das hidrelétricas estão pratica­mente no mesmo nível de 2001 e certamente teríamos um racio­namento se não tivessem sido instaladas usinas termoelétricas, que usam gás, óleo combus­tível e até carvão. Sua constru­ção foi iniciada no fim do gover­no Fernando Henrique e o go­verno Lula/Dilma Rousseff deu-lhes andamento. Mas energia ge­rada por elas é muito mais cara do que a das hidrelétricas.

Mesmo assim, o risco de ra­cionamento não foi afastado, porque todas as termoelétricas disponíveis já foram acionadas e se a seca continuar faltará energia. A razão para tal é sim­ples: as alternativas de geração de eletricidade disponíveis - que são as usinas eólicas (movi­das pela força do vento) e as termoelétricas queimando bagaço - não foram estimuladas pelo governo, no fundo, por motivos ideológicos.

A partir de 2002 o governo de­cidiu expandir o parque gera­dor de eletricidade por meio de leilões que a Empresa de Plane­jamento Energético (EPE) reali­za regularmente. Recebem as concessões as empresas que apresentam preços mais baixos para a energia produzida, seja ela hidrelétrica, térmica, eólica ou solar. A justificativa para es­se procedimento é a de garantir a "modicidade tarifária", quer dizer, o preço mais baixo da energia produzida, que, em te­se, favoreceria as camadas mais pobres da população.

Essa é uma visão equivocada: por motivos técnicos, diferen­tes formas de gerar eletricidade têm custos diferentes de produ­ção e, também, fortes compo­nentes regionais. Se a energia eólica for gerada no Estado do Piauí e consumida no Rio de Ja­neiro, é preciso construir as Usinas de transmissão adequa­das. Além disso, gerar eletricidade para ricos e para pobres cus­ta o mesmo.

Se o governo federal deseja fazer programas sociais com ele­tricidade para beneficiar os po­bres, deve fazê-lo na venda, e não na sua geração. Foi isso que o governo Franco Montoro fez em São Paulo, em 1982, esten­dendo as redes de eletricidade às favelas e cobrando preços re­duzidos dos habitantes dessas áreas, por meio de subsídios cru­zados, em que os mais ricos pa­gavam tarifas maiores do que os mais pobres.

Ao nivelar nos leilões da EPE todas as formas de energia, o go­verno federal tornou inviável, na prática, o uso de bagaço de cana para gerar eletricidade em grande escala no Estado de São Paulo. Essa energia pode até ser um pouco mais cara do que a das hidrelétricas, porém está perto dos centros de consumo, o que reduz significativamente os custos de transmissão.

Apesar dos esforços do gover­no paulista, menos de 20% do potencial do bagaço de cana-de-açúcar - que é comparável à potência da Usina de Itaipu - está sendo utilizado, por causa da falta de interesse do governo federal. O que torna a situação ainda mais paradoxal é que a ideolo­gia da "modicidade tarifária"" le­vou o governo a usar térmicas a gás, cujo custo da eletricidade é cerca de três vezes superior à média nacional

Os problemas que enfrenta­mos na área de energia elétrica não serão resolvidos com medi­das intempestivas como a Medi­da Provisória (MP) 579 e a redu­ção forçada de cerca de 20% nas tarifas, que está tornando o Sis­tema Eletrobrás e outras empre­sas geradoras inviáveis. Como foi feita, essa medida tem clara­mente um conteúdo demagógi­co e o Tesouro Nacional - ou seja, toda a população brasileira - vai pagar por ela. Vamos ter agora, além da Bolsa-Família, uma "bolsa-eletricidade", que, aliás, vai beneficiar grandes in­dústrias eletrointensivas.

As consequências negativas da MP 579 já são evidentes na queda do valor das empresas, que terão, daqui para a frente, mais dificuldades para fazer investimentos, o que, como con­sequência, vai dar origem a mais "interrupções de forneci­mento", na linguagem oficial.

Soluções para a crise atual existem.

No curto prazo é preciso re­mover os obstáculos para que a eletricidade do bagaço de cana-de-açúcar possa competir nos leilões da EPE e tomar providên­cias para completar a ligação de centrais eólicas ao sistema de transmissão.

No longo prazo, é preciso reanalisar o planejamento de no­vas hidrelétricas - incluindo re­servatórios adequados de água - e acelerar medidas de racionalização do uso de eletricidade, que até agora são voluntárias. Não basta, por exemplo, etique­tar geladeiras alertando os com­pradores sobre quais são os mo­delos mais eficientes, é necessá­rio proibir a comercialização das geladeiras com alto consu­mo de energia, como fazem mui­tos países.

Um pouco mais de competên­cia na área energética é do que o País precisa agora.

PROFESSOR EMÉRITO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, FOI MEMBRO DO CONSELHO SUPERIOR DE POLÍTICA ENERGÉTICA (CSPE) DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA