Título: Comissão vai apurar ida de civis ao Dops
Autor: Arruda, Roldão
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/02/2013, Nacional, p. A6

A Comissão Estadual da Ver­dade Rubens Paiva quer inves­tigar as possíveis relações en­tre os serviços de repressão e a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) no período da ditadura mili­tar. O anúncio oficial da inves­tigação deve ocorrer hoje, du­rante uma audiência pública programada para as 14 horas, no Auditório Paulo Kobayashi, na Assembleia Legislativa.

A decisão da comissão foi to­mada dias atrás, após o Arquivo Público do Estado tornar públi­co o conteúdo de uma série de livros com o registro de pessoas que entravam e saíam da ala de delegados e diretores do antigo Departamento de Ordem Políti­ca e Social (Dops). Aqueles docu­mentos revelam que um dos visitantes mais assíduos era Geral­do Resende de Mattos, identifi­cado pelos funcionários que fa­ziam as anotações nos chama­dos livros de portaria como re­presentante da Fiesp.

De acordo com levantamento feito pelo Estado publicado on­tem, em sua fase mais ativa no Dops, entre 1971 e 1976, Mattos realizou mais de 200 visitas à se­de da instituição, no Largo Gene­ral Osório, no bairro da Luz. Seu nome aparece em todos os seis livros divulgados no site do Ar­quivo Público, que cobrem o pe­ríodo entre março de 1971 e janei­ro de 1979.

O Dops de São Paulo era um dos principais centros de investi­gação e repressão de dissidentes políticos no regime militar. Era o palco de operações do delega­do Sérgio Paranhos Fleury Filho, apontado por pesquisadores da­quele período como o agente pú­blico que levou para a repressão políticas métodos que eram empregados contra criminosos comuns.

Embora ampla, a cobertura dos livros de portaria que foram tor­nados públicos é precária, com la­cunas. Quem consultá-los (estão disponíveis na internet) vai cons­tatar, entre outras falhas, que não há informações sobre 1977.

Negativa. Procurada pela repor­tagem, a Fiesp informou que Mattos nunca fez parte do seu quadro de funcionários. Em no­ta pública, a entidade de repre­sentação do empresariado indus­trial paulista também enfatizou que sua atuação tem se pautado "pela defesa da democracia e do Estado de Direito, e pelo desen­volvimento do Brasil". Ainda se­gundo a nota, "eventos do passa­do que contrariem esses princí­pios (democráticos) podem e de­vem ser apurados".

A Comissão Estadual, segun­do seu presidente, Adriano Diogo (PT), também vai investigar as relações entre o Consulado dos EUA em São Paulo e o Dops. "Queremos saber por qual razão o senhor Claris Halliwell, que aparece identificado nos livros como cônsul americano, ia tanto ao Dops", diz o deputado.

Pelo levantamento divulgado pelo Estado, Halliwell frequentou o Dops durante mais de três anos. Em 1971, a média de suas visitas chegou a duas por mês - o que era incomum para represen­tantes diplomáticos. O presiden­te da comissão, que pediu a aju­da de um colaborador nos Esta­dos Unidos para investigar o pas­sado de Halliwell, não descarta a hipótese de que ele tenha asses­sorado os serviços de repressão.

"Queremos esclarecer os fa­tos, tendo em vista que a CIA, o serviço secreto americano, asses­sorou regimes autoritários na América Latina", diz ele.

O Consulado dos EUA infor­mou não ter registro de antigos funcionários e, por isso, não po­deria confirmar a presença de Halliwell em São Paulo, o cargo que ocupava nem o motivo de suas idas ao Dops. A assessoria de comunicação observou que quase todos os representantes diplomáticos costumam se apre­sentar como cônsul.

Segundo um parente próximo de Geraldo Resende de Mattos, que pediu para não ser identifica­do, ele era ligado ao Serviço So­cial da Indústria (Sesi) e havia se especializado na análise de infor­mações do movimento sindical.

A audiência de hoje é a primei­ra de uma série que a Comissão Estadual deve realizar no mês.