Título: As contas da Justiça do Trabalho
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/02/2013, Notas e informações, p. A3

Alegando que o Executivo e o Legislativo estariam desrespeitando a norma constitucional que determina a revisão dos salários do Judiciário, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) denunciou o Brasil à Corte Interamericana de Direitos Humanos por omissão legislativa "grave e iterati-va". Para a entidade, ao se negarem a conceder reajustes anuais aos juizes trabalhistas, o Congresso e o Palácio do Planalto estariam "violando a independência remuneratória" ida magistratura e a "mínima liberdade orçamentária" da Justiça do Trabalho. Segundo a Anamatra, entre 2006 e 2012 o poder de compra dos vencimentos dos juizes teria sofrido perda de 25%.

Na denúncia, que tem 95 páginas, a entidade afirma que, ao se recusar a recompor as perdas causadas pela inflação nos salários dos juizes trabalhistas, o governo brasileiro estaria comprometendo a vida pessoal e familiar dos integrantes da categoria. A entidade alega ainda que tentou reverter a situação no STF, impetrando mandados de injunção para assegurar "uma política remuneratória mais consistente para o Poder Judiciário", mas esses recursos até hoje não foram julgados, por causa da "excessiva morosidade" da Corte.

Segundo a denúncia, os ministros do STF não têm vontade nem determinação política de julgar os mandados de injunção por temerem "uma possível crise institucional entre os poderes da República". Para a Anamatra, só a intervenção de um organismo internacional -como a Corte Interamericana dos Direitos Humanos - asseguraria "impessoalidade" à discussão e evitaria uma "crise republicana". Especialistas em direito internacional afirmam que a iniciativa da Anamatra carece de fundamento normativo - até porque a Corte Interamericana de Direitos Humanos não poderia passar por cima da soberania brasileira, caso seus juizes acolham a denúncia.

Mas o problema não é jurídico nem político. É, isto, sim, de caráter moral. Afinal, os juizes que recorrem a uma justiça internacional não conseguem acertar com lisura as próprias contas. Uma semana antes de acusar o governo de não respeitar a Constituição, o Tribunal de Contas da União (TCU) proibiu os Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) de depositarem R$ 818,9 milhões nas contas de seus servidores, a título de pagamento de benefícios retroativos. Entre outras irregularidades, a auditoria do TCU descobriu que os TRTs fizeram cálculos equivocados, pagando aos seus magistrados o dobro da quantia de fato devida.

As investigações do TCU sobre o descontrole na folha de pagamentos dos TRTs começaram há cerca de três anos. Pressionado, o Conselho Superior da Justiça do Trabalho admitiu que os TRTs exorbitaram no cálculo dos juros e nas alíquo- tas de correção monetária, calculando em R$ 2,4 bilhões uma dívida que não passava de R$ 1,2 bilhão. Como até agora já foi pago R$ i,s bilhão, segundo reportagem do Estadão, o TCU quer que os juizes trabalhistas devolvam a diferença.

Além dos cálculos equivocados e da morosidade com que o Conselho Superior da Justiça do Trabalho enviou as informações solicitadas, o TCU suspeita de outras irregularidades. Uma delas diz respeito aos critérios utilizados pelos TRTs para incorporar o auxílio-moradia e o adicional de tempo de serviço aos salários dos juizes trabalhistas. Esses dois benefícios custaram cerca de R$ 957 milhões aos cofres públicos. Outras irregularidades envolvem a Vantagem Pessoal Nominalmente Identificada, sigla que abarca outros benefícios, e o cálculo do "abate teto", corte obrigatório de valores que excedem o teto do funcionalismo, no valor de R$ 28 mil. Em alguns TRTs, o TCU também descobriu servidores judiciais já falecidos que estariam recebendo "extras".

Diante da gravidade do que foi apurado pelo TCU, quê autoridade moral têm os juizes trabalhistas para bater nas portas da Corte Interamericana de Direitos Humanos? Ou para se opor à proibição de patrocínio de empresas privadas a entidades da magistrados, que vem sendo estudada pelo Conselho Nacional de Justiça, e ao fim das férias de 60 dias dos juizes, medida proposta pelo presidente do STF, Joaquim Barbosa?