Título: O regresso do caudilho
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/02/2013, Notas e informações, p. A3

O chavismo está em festa. On­tem de madru­gada, três dias depois de se dei­xar fotografar pela primeira vez desde que foi ser operado em Cuba, em 10 de dezembro, Hugo Chávez voltou a Caracas. Foi levado direta­mente do aeroporto para o hos­pital militar onde continuará a ser tratado das sequelas da quarta cirurgia em 18 meses contra um câncer ria região pél­vica. Delas, só foram reveladas, a conta-gotas, uma hemorragia que teria sido estancada e a in­fecção pulmonar, também resol­vida, que o deixou com persis­tente insuficiência respiratória e praticamente afônico. Nas fo­tos divulgadas na sexta-feira pe­lo governo venezuelano, ele apa­rece reclinado ao lado das filhas com um sorriso afivelado ao rosto entumecido, enquanto se­gura um exemplar da edição da véspera do Granma, o jornal do PC cubano, obviamente para au­tenticar a data do evento. A go­la do agasalho esportivo fecha­da até o pescoço cobre a cânula pela qual ele respira depois da traqueostomia a que foi subme­tido não se sabe quanto tempo depois da operação - e afinal ad­mitida por um dos hierarcas do regime, o ministro de Ciência e Tecnologia Jorge Arreaza, gen­ro do caudilho, por sinal.

A esta altura está claro que as fotos não serviram apenas para desmoralizar os rumores sobre a sua morte - espalhados nas re­des sociais por um punhado de blogueiros. Um deles, o jornalis­ta venezuelano Nelson Bocaran- da, chegou antes a anunciar o desembarque de Chávez em São Paulo para se internar no Hospital Sírio-Libanês, onde se­ria tratado pelos mesmos médi­cos que cuidaram da então can­didata Dilma Rousseff e do seu patrono Lula, depois que dei­xou o Planalto. As imagens se destinavam ainda a respaldar as versões oficiais segundo as quais, além de vivo, o convales­cente Chávez se recuperava de tal forma a conduzir o seu país a distância, despachando com ministros e assinando docu­mentos. Como o mais loquaz dos governantes da atualidade, temporariamente emudecido, fazia para dar ordens à equipe ao redor do leito é um dos tan­tos mistérios sobre a sua capaci­dade para exercer o cargo para o qual foi reeleito pouco antes da recidiva - e entregue, na sua ausência, ao vice Nicolás Madu­ro, em um ato de prestidigitação institucional digno do rea­lismo mágico latino-americano.

Por último e principalmente, as fotos se destinavam a aque­cer os corações da militância chavista e preparar o seu espíri­to para a gloriosa rentrée de on­tem, sem dúvida já programada quando resolveram usar as aco­modações hospitalares de Chá­vez como cenário de uma exibi­ção política. E quem foi o pri­meiro a dar a boa-nova, se não ele próprio? Depois de mais de três meses sem atualizar a sua conta no microblog Twitter, Chávez publicou, ou mandou publicar, três consecutivas e eu­fóricas mensagens, culminando cada qual com duplos pontos de exclamação. Na última, an­tes dos costumeiros "até a vitó­ria sempre" e "Viveremos e ven­ceremos", ele declara que conti­nua "ligado a Cristo" e confian­te nos seus médicos. Outro que exsudava felicidade era Madu­ro, o vice, que acompanhou o caudilho no voo de regresso, ao lado do presidente da Assembleia Nacional venezuelana, Diosdado Cabello, e de Adán Chávez, o irmão do autocrata que governa o Estado de Barinas, feudo da família. Maduro fi­cou de dar detalhes sobre o de­senrolar da "batalha ininterrup­ta" do chefe que dele fez o seu segundo. Mas começou por não explicar o que pesou na decisão da troca de hospital - e de país.

Há poucas semanas, as fon­tes oficiais de Caracas admi­tiam não saber quando a equi­pe médica de Chávez autoriza­ria a viagem. O que leva a per­guntar se ele voltou porque os tratamentos "complexos e du­ros" a que vinha sendo submeti­do finalmente estão dando cer­to ou porque, desenganado, o paciente de 58 anos voltou pa-ra morrer em casa. O que confe­re legitimidade à dúvida é o próprio segredo com que o cha­vismo blindou a enfermidade do seu líder. Além da vaga infor­mação sobre a "região pélvica" onde teria se manifestado e reincidido o tumor, nada se dis­se sobre as características e a exata localização da malignidade. Sem isso, especialistas não ousam arriscar um prognósti­co. Enquanto prosseguir o mis­tério, haverá especulações.