Título: Liberdade à cubana
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/02/2013, Notas e informações, p. A3

Os militantes que na segunda-feira hostilizaram a dissi­dente cubana Yoani Sánchez nos ae­roportos do Recife e de Salvador e na mesma noite impe­diram a exibição, em Feira de Santa­na, de um documentário produzido no Brasil de que ela é protagonista decerto nunca leram uma linha da lí­der revolucionária alemã Rosa Lu­xemburgo (1871-1919). Eles são exí­mios, de toda forma, em pôr de ponta-cabeça a máxima que a apartou dos maiores líderes revolucionários de seu tempo, como Lenin e Trotsky. Enquanto estes, fiéis a Marx, consideravam a ditadura do proletariado imprescindível à cons­trução do que seria o edênico siste­ma comunista, já então, com admirá­vel senso premonitório, ela cunhou a máxima graças à qual se poupou de entrar para a história pela via da ignomínia e da apologia da violência em escala até então sem preceden­tes. "A liberdade", escreveu, "é qua­se sempre, exclusivamente, a liberda­de de quem discorda de nós."

Os grupelhos autoritários que ten­taram intimidar a filóloga e jornalis­ta Yoani, de 37 anos - a única voz contra a ditadura castrista que se ex­prime pela internet, no seu blog Generación Y, criado em 2007 des­frutariam em Cuba da "liberdade" de concordar com a senil ordem polí­tica local. Só há pouco, numa tentati­va de adiar o seu desmanche, o castrismo passou a permitir viagens ao exterior sem que os interessados te­nham de obter o infame visto de saí­da da ilha. Graças a isso, Yoani pôde tirar o passaporte que lhe vinha sen­do negado sistematicamente. Ela só esteve fora de Cuba de 2002 a 2004, quando morou na Europa. Sendo o que são os seus fanatizados detrato­res - filiados a organizações patéti­cas como a União da Juventude So­cialista, ligada ao PC do B e admira­dora do regime norte-coreano; do Partido Comunista Revolucionário, que almeja "dirigir a classe operá­ria"; e do Partido Consulta Popular, pró-MST, que ministra um curso de "realidade brasileira" -, seria nulo o seu risco de punição no feudo dos ir­mãos Castro.

Isso porque não há hipótese de que o contato com a realidade cubana viesse a abalar a sua petrificada;mentalidade. Antes, seriam capazes de competir com os serviços de segu­rança do regime no zelo persecutó­rio aos que ousam exercer "a liberda­de de quem discorda". Esse lumpesinato político nem precisa ser mobili­zado pela Embaixada de Cuba em Brasília para querer sabotar a passa­gem de Yoani pelo País. A blogueira e colunista do Estado, que só não foi agredida fisicamente na chegada porque estava sob proteção, não se surpreendeu. "Com insultos, estou acostumada", comentou. "Tenho a pele curtida contra xingamentos. Is­so é o cotidiano na minha vida." (De­pois de amanhã, ela participará de um evento aberto ao público, "Con­versa com Yoani", na sede deste jor­nal. No mesmo dia será exibido o do­cumentário barrado em Feira de San­tana, Conexão Cuba-Honduras, do ci­neasta baiano Dado Galvão.) Pior são os petistas que não só comun­gam com o castrismo e a chamada Revolução Bolivariana de Hugo Chávez, mas comparam dissidentes a de­linquentes, ou "bandidos".

Foi o inesquecível termo emprega­do pelo então presidente Lula, nu­ma visita a Havana em março de 2010, quando o jornalista cubano Guillermo Farinas completava 15 dos seus 135 dias em greve de fome pela libertação dos presos políticos da ilha. No Brasil, os manifestantes que chamam Yoani de "traidora" e de "agente da CIA" fazem barulho. O PT faz mais: o bastante para se as­segurar de que o governo brasileiro se abstenha de criticar, que dirá condenar, Cuba nos fóruns internacio­nais sobre violações de direitos hu­manos. Dirigentes do partido, como o mensaleiro José Dirceu, pagam de bom grado a sua infindável dívida com Fidel por tê-los acolhido - e treinado para o desvario da guerri­lha - no tempo da ditadura militar. Já Yoani, no que dependeu dela, co­meçou bem a sua visita. O seu come­dimento e manifesto fair-play chama­ram desde logo a atenção. Por exem­plo, recusando-se a comparar Cuba ao Brasil, mencionou os estrangei­ros que, tendo passado duas sema­nas em um hotel de Havana, "explicam para mim como é o meu país". Mas não deixou de lembrar a frase de um amigo: "Os brasileiros são co­mo os cubanos, mas são livres".