Título: Tudo está sendo encaminhado para o discurso de 2014
Autor: Monteiro, Tânia ; Moura, Rafael Moraes
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/02/2013, Nacional, p. A4

Cláudio Dedecca, professor do Instituto de Economia da Unicamp

Na avaliação do economista Cláudio Dedecea, professor da Unicamp, o discurso da presi­dente Dilma Rousseff minimiza a extensão da pobreza e mira as eleições de 2014.

Como o senhor vê o lançamen­to dessa complementação do Bolsa Família?

A presidente disse em seu dis­curso que até o término do seu governo, em 2014, não haverá no País nenhuma família com renda mensal inferior a R$ 70 por pessoa. Quem acompanha o tema sabe que esse discurso vem sendo adaptado desde 2010, à medida que a complexi­dade da pobreza no País foi fi­cando clara para o governo.

O que mudou?

Lula dizia que o Bolsa Família resolveria o problema da pobre­za. Mais tarde Dilma verificou- se que, mesmo com a transfe­rência de renda, muitas famí­lias não conseguiam atingir o va­lor de valor de referência, de R$ 70, e, pior do que isso, continua­vam vivendo em péssimas con­dições, sem acesso a água, edu­cação, saúde e outros serviços públicos. Viu-se que a transfe­rência de renda é a parte mais fácil do combate à pobreza, que não é uma invenção do Brasil moderno, mas uma característi­ca histórica do País.

Como o discurso mudou?

Dilma lançou o Brasil Sem Misé­ria falando em acabar com a mi­séria e garantir o acesso dos po­bres aos serviços públicos. Hoje o que está no centro do discur­so é a eliminação da extrema miséria. A presidente alargou os programas de transferência de renda, para garantir que to­dos os beneficiários acabem se encaixando naquele limite de R$ 70. Tudo está sendo encami­nhado para que, na eleição de 2014, ela possa dizer que não existe mais ninguém no País abaixo da linha da extrema mi­séria, sem dar muita ênfase à questão do acesso aos serviços públicos. Vai para a corrida elei­toral dizendo que cumpriu a sua meta, que a situação ainda não é a ideal, mas que o País avançou.

Mas o programa está correto?

Está. O problema é que esse dis­curso se orienta eélo calendá­rio político e não reflete a reali­dade. A pobreza não se resolve num mandato. Mas se o candi­dato, seja ele qual for, disser que o problema é estrutural, que vai demorar e exigir muito mais investimentos dos que os do Bolsa Família, investimen­tos estruturais, para que as fa­mílias tenham uma vida digna, ele não ganha a eleição.