Título: Custeio, auxílios e patrocínios
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/02/2013, Notas e informações, p. A3

Quando a ministra Eliana Calmon en­cerrou seu manda­to no Conselho Nacional de Justi­ça (CNJ), em se­tembro de 2012, houve quem temesse pela perda de rigor do órgão na fiscalização e contro­le administrativo do Poder Ju­diciário. A decisão que o CNJ acaba de tomar depois de acir­radas discussões, fixando um li­mite para o patrocínio de even­tos da magistratura, mostra que esse temor era fundamen­tado. O tema ganhou destaque em dezembro, quando a Associação Paulista de Magistra­dos, na festa de confraterniza­ção do Natal, sorteou brindes - viagens e um automóvel - ofertados por empresas públi­cas e privadas.

Antes de deixar o CNJ, onde por dois anos foi corregedora, a ministra Eliana Calmon apre­sentou uma proposta para re­gulamentar a participação de integrantes do Judiciário em eventos patrocinados - como congressos, encontros acadê­micos, homenagens, confrater­nizações e competições esportivas. A proposta de Calmon proibía os juizes de usar trans­porte ou hospedagem pagos ou subsidiados - mesmo que indiretamente - por pessoas fí­sicas e por empresas. Obrigava os tribunais a controlar com ri­gor as atividades extrajurisdicionais de seus membros. De­terminava que o conteúdo, car­ga horária, custos dos eventos e a origem do dinheiro que os custeariam deveriam ser "ex­postos de forma prévia e transparente". E só admitia exceções no caso de eventos pro­movidos por instituições de en­sino onde o magistrado fosse professor ou em atividade edu­cacional, em que atuasse como palestrante.

Além de reafirmar os princí­pios constitucionais da impes­soalidade, moralidade e publi­cidade, a proposta tinha por objetivo coibir abusos, como via­gens internacionais de juizes fi­nanciadas por empresas, semi­nários realizados em resorts lu­xuosos pagos por bancos e tor­neios esportivos realizados em praias turísticas custeados por estatais. Na exposição de moti­vos, Eliana Calmon disse que os juizes têm de manter "con­duta irrepreensível" e que não podem receber favores e auxí­lios de pessoas físicas e jurídi­cas que são parte em ações por eles julgadas.

Ao assumir a Corregedoria Nacional de Justiça, em setem­bro de 2012, o ministro Francis­co Falcão endossou essa pro­posta. Quando o plenário do CNJ se reuniu para discuti-la, a proposta recebeu, de saída, 6 votos favoráveis num colégio de 15 membros. Mas o julga­mento foi suspenso por um pe­dido de vista e, quando a vota­ção foi retomada, o CNJ sur­preendeu ao aprovar uma pro­posta mais branda do que a de Eliana Calmon, apresentada pelo presidente do CNJ, minis­tro Joaquim Barbosa.

Ao se opor à proposta de Eliana Calmon, em 2012, os jui­zes alegaram que, como suas entidades de classe são associa­ções privadas, elas não pode­riam ser fiscalizadas pela Cor­regedoria Nacional de Justiça ou sofrer sanções administrati­vas do CNJ. Para Eliana Cal­mon, o patrocínio do lazer da magistratura não era um pro­blema jurídico, mas ético e mo­ral. Na reunião de quarta-feira passada, o ministro Francisco Falcão reconheceu que a maio­ria dos eventos da magistratu­ra não tem qualquer "efeito cul­tural", mas recuou, deixando de apoiar a proposta de Eliana Calmon e aceitou a fixação de um teto para o patrocínio de eventos de juizes.

Com isso, em vez de vedar completamente o patrocínio, a resolução do CNJ autoriza enti­dades de juizes a receber até 30% do que será gasto em seminários e congressos. "Foi uma forma de viabilizar a aprova­ção da resolução. A proibição total, imediata, brutal, acaba­ria com todos os eventos atual­mente existentes. Minha posi­ção é de vedação total, pois re­sorts não combinam com tra­balho intelectual sério. Mas is­so virá no futuro", disse Barbo­sa, com apoio de Falcão.

O CNJ, em sua configuração atual, parece ser mais vulnerá­vel a pressões corporativas do que no passado. Ao término da reunião, as entidades da magis­tratura anunciaram que pode­rão questionar o teto no STF e, alegando que "a vida associati­va não pode sofrer interven­ções", afirmaram que não acei­tarão a proibição total de patro­cínios pelo CNJ.