Título: O balanço inflado do PAC
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Fonte: O Estado de São Paulo, 24/02/2013, Notas e informações, p. A3

Com a fanfarra de sempre, o governo divulgou mais um balanço triunfal da segunda fase do Programa de Acele­ração do Cresci­mento (PAC-2), muito mais bem-sucedido como em­preendimento imobiliário do que co­mo esforço de modernização e am­pliação da infraestrutura econômica e social. Foram investidos R$ 472,4 bilhões nos dois primeiros anos da nova fase, segundo anunciou em Bra­sília a ministra do Planejamento, Mí­riam Belchior. O valor aplicado cor­responde a 47,8% do total previsto para o período 2011-2014. Isso deve indicar, segundo o discurso oficial, um desempenho satisfatório, espe­cialmente porque a soma investida em 2012 foi 31% maior que a do ano anterior. Não se pode menosprezar esse ponto, embora alguma melhora entre o primeiro e o segundo ano do governo da presidente Dilma Rousseff fosse quase obrigatória. O balan­ço fica bem menos entusiasmante, no entanto, quando se examinam al­guns detalhes do relatório e outros obtidos em fontes diferentes.

Como nos balanços anteriores, o resultado geral foi consideravelmen­te favorecido pelos valores aplica­dos na política habitacional. Só os fi­nanciamentos para compra de casas e apartamentos absorveram R$ 151,6 bilhões. Isso corresponde a 32,1% - quase um terço - dos R$ 472,4 bi­lhões investidos no biênio. Note-se o pormenor: trata-se de financia­mentos, isto é, de liberação de recur­sos, algo diferente da aplicação dire­ta de verbas na realização de obras ou na compra de equipamentos. Quando se considera o valor dos em­preendimentos concluídos, o peso dos projetos imobiliários se torna ainda mais notável. O dinheiro desti­nado ao programa Minha Casa, Mi­nha Vida (R$ 188,1 bilhões) equiva­leu a 48,9% dos R$ 384,9 bilhões de investimentos concluídos.

Não se pode negar o valor social dos gastos em habitação, nem me­nosprezar a demanda de mão de obra, materiais e equipamentos gera­da pela construção civil. Mas é preci­so discriminar: os grandes entraves ao crescimento brasileiro são de ou­tra natureza e incluem deficiências no sistema de transportes, na gera­ção e na distribuição de energia e no sistema de comunicações. Basta pen­sar nos investimentos necessários à ampliação e ao melhoramento de ro­dovias, ferrovias, hidrovias, portos e aeroportos para perceber a diferen­ça entre cuidar da infraestrutura e fi­nanciar o acesso à habitação.

Para avançar nos detalhes, é preci­so distinguir o PAC orçamentário, fi­nanciado diretamente pelo Tesouro, e o PAC dependente das estatais e de outros agentes. A execução da parte prevista no Orçamento-Geral da União continua, como de costu­me, bem abaixo dos valores autoriza­dos. O total desembolsado em 2012, de R$ 39,3 bilhões, correspondeu a 69,3% da dotação prevista para o ano, de R$ 56,7 bilhões, de acordo com o relatório. No ano anterior, os pagamentos efetivos haviam ficado em 69,3%. Dos R$ 39,3 bilhões pagos em 2012, no entanto, só R$ 18 bi­lhões saíram da verba prevista para o exercício. A maior parte do dinhei­ro (R$ 21,3 bilhões) foi formada por restos a pagar - também uma tradi­ção na vida financeira do governo central.

Também os investimentos das es­tatais continuaram de acordo com o padrão bem conhecido nos anos an­teriores. As empresas controladas pela União aplicaram nos dois anos R$ 128,9 bilhões, de acordo com o re­latório. Também de acordo com o costume, cerca de 90% foram reali­zados pela Petrobrás, apesar da pio­ra de suas condições financeiras.

As proporções são praticamente as mesmas quando se considera o in­vestimento geral das estatais, den­tro e fora do PAC. Em 2011 e 2012 fo­ram investidos, em valores atualiza­dos, R$ 185,2 bilhões, de acordo com números do Ministério do Pla­nejamento coletados pela organiza­ção Contas Abertas. A Petrobrás aplicou R$ 161,4 bilhões, 87% do to­tal. A empresa é uma grande investi­dora há muito tempo. Seria obvia­mente um abuso atribuir aos formuladores do PAC qualquer mérito por esse desempenho. Mas pode-se per­feitamente fazer o contrário e atri­buir à intervenção dó Palácio do Pla­nalto, normalmente desastrada, a deterioração das finanças da empre­sa. Sem isso, a Petrobrás poderia in­vestir muito mais e com muito mais eficiência.