Título: Financiamento expõe Pirâmide Social da Rede de Marina
Autor: Duailibi, Julia ; Peron, Isadora
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/02/2013, Nacional, p. A6

O partido qua a ex-se­nadora Marina Sil­va pretende criar neste ano, o Rede Sustentabilidade, deverá con­sumir pelo menos R$ 500 mil no processo de captação de as­sinaturas pelo País. O finan­ciamento desses recursos re­produzirá a pirâmide social do "movimento" como os ma­rineiros chamam a legenda. As menores doações vêm de centenas de entusiastas, que compram uma camisa de R$ 20, mas o grosso é concentra­do em uma dezena de funda­dores, alguns deles ligados às maiores empresas do País.

Os organizadores do parti­do esperam a obtenção do CNPJ da Rede, que deve sair na próxima semana, para co­meçar a arrecadar as contri­buições. Por enquanto, fo­ram levantados pouco mais de R$ 150 mil, destinados a pagar os custos do evento de lançamento da legenda em Brasília há uma semana.

Os recursos foram obtidos com a venda de 500 camise­tas e outros produtos, mas a maior parte veio de cerca de 80 dos 250 fundadores, entre os quais Neca Setúbal, soció­loga e herdeira do Itaú, e Gui­lherme Leal, copresidente do Conselho de Administração da Natura, que foi candidato a vice na chapa de Marina, pe­lo PV, nas eleições de 2010.

Questionada sobre para on­de vai o dinheiro arrecadado, já que ainda não há uma conta corrente do partido, Neca, res­ponsável pela área financeira da Rede, brincou: "Embaixo do colchão do Marcelo Estraviz", numa referência ao espe­cialista em captação de recur­sos que atua no "movimento".

De acordo com a legislação eleitoral, são necessárias qua­se 500 mil assinaturas em pe­lo menos nove Estados para fundar uma nova legenda. Pa­ra que o partido esteja apto a disputar a eleição em 2014, quando Marina deverá ser candidata a presidente, preci­sa obter o registro definitivo no Tribunal Superior Eleito­ral (TSE) até um ano antes da eleição. Portanto, no começo de outubro - até agora, foram baixadas cerca de 20 mil fi­chas de apoio do site da Rede.

Adilson Barroso, presiden­te do PEN (Partido Ecológico Nacional), demorou quase seis anos para conseguir fundar sua legenda, que obteve o regis­tro definitivo em 2012. "De cada dez pessoas que você chega para pedir a assinatura, apenas uma aceita. As pessoas estão com rai­va da política. Depois, tem o car­tório que não aceita a assinatura, fala que está diferente. Inclusive as assinaturas dos fundadores do partido", declarou Barroso.

Os maiores entraves aponta­dos por quem procura criar um partido são a burocracia nos car­tórios eleitorais e a demora dos Tribunais Regionais Eleitorais, a segunda instância no processo, para homologar as listas de apoio enviadas, depois, ao TSE. "O TRE de Roraima demorou 13 meses para homologar as listas. É muito difícil mesmo. Fiquei quatro meses longe de casa atrás de assinaturas. Avisei: estou in­do para guerra", contou Barroso.

Há hoje 30 partidos fundados no País - e, pelo menos, mais 30 na corrida para a formalização. A regra é demorar mais de ano para obter as assinaturas. O Partido Pátria Livre (PPL), por exemplo, foi fundado em 2009, mas conse­guiu o registro apenas em 2011.

A exceção foi o PSD (Partido Social Democrático), do ex-pre­feito Gilberto Kassab. Da aprova­ção da ata de fundação até o regis­tro final, em setembro de 2011, foram apenas seis meses, um re­corde. A legenda não divulgou o quanto foi gasto no processo, mas Barroso, conhecedor do processo, aposta que as questões po­líticas pesaram mais que o di­nheiro gasto na empreitada.. "Não acredito na questão do di- nheiro. Teve grande interesse do governo de fundar o partido do Kassab para quebrar o DEM e o PSDB. O partido da Marina sai em menos de um ano se for do interesse do governo", avaliou.

Doações. A Rede começa a montar uma estrutura de arreca­dação para tentar bancar o custo de R$ 500 mil para buscar os apoios. O dinheiro servirá para criar uma estrutura mínima de coleta em todos os Estados, além do pagamento de uma em­presa de auditoria que fará a veri­ficação da autenticidade das assi­naturas recolhidas. Entre os mo­delos criados, está o que os fun­dadores do partido escolhem um entre os quatro tipos de doa­ção: R$ 10, R$ 50, R$ 90 ou um valor acima das três opções. Para aumentar a captação de recur­sos, será criada a figura do "man­tenedor", que fará contribuições mensais, mas que não necessa­riamente será filiado.

"Muita gente está doando. Es­tamos fazendo um esforço em busca de qualquer doação", de­clarou Neca. Além do gasto com a procura de assinaturas, há as despesas com a estrutura de co­municação, a manutenção do si­te e atendimento à imprensa. De acordo com a fundadora, esses valores só começarão a ser pagos à empresa que atende à Rede a partir de março. "Também estamos recolhendo doações pa­ra pagar o advogado que está cuidando de organizar o esta­tuto do partido", lembra An­dré Lima, membro da Executi­va da nova legenda.

Se, por um lado, o grosso do financiamento vem dos fun­dadores, há uma militância in­cipiente, que passou a fazer contribuições mais modes­tas, e artistas do eixo Rio-São Paulo que, atraídos pela figu­ra de Marina, devem ajudar na arrecadação - o cantor e ex-ministro Gilberto Gil e os ato­res Wagner Moura e Marcos Palmeira vão gravar um vídeo para ensinar as pessoas a preencherem as fichas.

Professor de história da re­de pública de Contagem, (MG), Otto Ramos ganha R$ 1.910 por mês. Foi a Brasília participar do lançamento da Rede por conta própria. Divi­diu em 3 vezes a passagem aé­rea, de R$ 250, comprada nu­ma promoção. Para economi­zar, optou inicialmente pela hospedagem oferecida por pessoas que moram em Brasí­lia. Depois preferiu um hotel. Ramos contribuiu com R$ 50 para pagar as despesas do even­to e comprou ainda duas cami­setas para ajudar no rateio.

O empresário paulista João Ramirez, que trabalha com de­senvolvimento de produtos di­gitais, também foi ao encon­tro em Brasília. "Estou fazen­do tudo o que posso para aju­dar. Imprimi as fichas em casa e já distribuí para a minha famí­lia assinar. Também vou ver o que posso fazer na área da comunicaçao, que é do que eu en­tendo", afirmou Ramirez.

Entusiasta da Rede, a estu­dante Michelle Portela, que faz doutorado da Unicamp, disse que vai trabalhar como voluntária. Ela pretende criar um circuito de debates nas uni­versidades sobre o partido.

A Rede espera recolher tam­bém algum recurso com artis­tas em eventos sociais ou atra­vés do crowdfunding, por meio do qual artistas captam recur­sos para seus projetos na inter­net. Nesse caso, os valores ar­recadados na rede serão doa­dos à Rede de Marina.