Título: Presidente voltou porque não manteria seu poder em Havana
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Fonte: O Estado de São Paulo, 24/02/2013, Internacional, p. A14

O retorno de surpresa a Caracas de Hu­go Chávez, presidente eleito, mas não empossado, reacendeu as ques­tões sobre sua recuperação do cân­cer e sua capacidade de governar. Tendo ido a Cuba em 10 de dezembro, onde foi submetido a uma quarta rodada de tratamento de uma for­ma de câncer não divulgada, ele permaneceu recluso por mais de dois meses, sem comunica­ção com o povo que acabara de reelegê-lo em outubro e faltando à própria posse constitucio­nalmente estipulada em 10 de janeiro. Relatos da mídia indicam que ele foi incapaz até de rece­ber a visita de líderes que viajaram a Cuba espe­cialmente para vê-lo, entre eles o ex-presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva e atual presi­dente da Argentina, Cristina Kirchner.

O retorno de Chávez na calada da noite, anuncia­do via Twitter e não com um comício público que em outras circunstâncias seria esperado, indica que ele está vivo, mas também suscita perguntas importantes sobre seu estado de saúde e sobre sua capacidade de governar no curto prazo.

Isso é importante. Segundo a Constituição da Venezuela, novas eleições devem ser convocada a essa altura de um mandato presidencial se o presi­dente for declarado incapaz de cumprir seus deve­res do cargo. Essas provisões fazem parte da nova Constituição que o próprio Chávez propôs e apro­vou. Ao mesmo tempo, a oposição argumenta que o mandato presidencial anterior expirou em 10 de janeiro e, como ele não foi reempossado, isso mer­gulhou o país numa crise constitucional. Segundo essa visão, o presidente em exercício, Nicolás Ma­duro, não tem nenhuma autoridade para governar, porque ele foi nomeado para o cargo de vice-presi­dente por Chávez - que ainda não tomou posse - e não foi eleito.

Essa talvez seja uma questão em grande parte acadêmica para os próprios venezuelanos resolve­rem, dada a falta de apoio ativo para essa visão de fora da Venezuela. Ao mesmo tempo, a volta de Chávez recoloca a questão na berlinda, porque nin­guém, exceto um pequeno grupo de venezuelanos ferozmente leais e autoridades do governo cuba­no, conhece o verdadeiro estado da saúde de Chá­vez. Sua saúde foi tratada como segredo de Estado, mais ao jeito das manobras do Kremlin na Guerra Fria do que das expectativas de sociedades demo­cráticas modernas. Portanto, não pode haver um julgamento informado, a essa altura, sobre sua ca­pacidade de governar ou, sobre a possibilidade de ele estar a caminho de uma plena - ainda que lenta - recuperação.

Nesse meio tempo, as autoridades estão atarefa­das emitindo decretos e tomando decisões em no­me do presidente, incluindo uma grande desvalori­zação da moeda que será sentida em todos os seto­res da sociedade. A economia enfrenta problemas. A falta de produtos básicos de consumo está au­mentando, assim como a inflação. A criminalidade também está em alta. Se as circunstâncias se dete­riorarem mais e a capacidade de Chávez para con­duzir o país não for esclarecida em breve, a legitimi­dade política do governo poderá ser colocada em questão. Nesse ponto, ocorreria uma crise de go­vernança com consequências imprevisíveis.

É essa, mais do que qualquer outra, a principal razão pela qual Chávez voltou à Venezuela, pois estava ficando cada vez mais insustentável ele re­clamar o manto de presidente estando fora do país indefinidamente. No entanto, isso também está fazendo o povo venezuelano e outras partes in­teressadas considerarem um futuro sem Chávez.

O sucessor escolhido a dedo, Maduro, não tem o carisma nem o apoio político de que Chá­vez desfruta - apesar de ele ganhar o benefício da dúvida dos chavistas no curto prazo. Para :construir sua própria legitimidade, ele terá de mostrar que não só é leal à agenda de Chávez, mas também é capaz de conduzir e até de au­mentar o ímpeto da revolução bolivariana.

No fim, isso poderá ser bom para os seguido­res de Chávez, mas ruim para a Venezuela, já que o país continua a palmilhar um caminho populista insustentável. O experimento de Chá­vez está mostrando seu envelhecimento, mas os pilares que sustentam o movimento ainda estão bem assentados e não serão facilmente removidos. Os próximos dias e semanas prome­tem um período complicado e incerto para a Venezuela./