Título: Ajuste econômico e inflação devidem oposição a Chávez
Autor: Lameirinhas, Roberto
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/02/2013, Internacional, p. A12

Enquanto o presidente Hugo Chávez convalesce no Hospi­tal Militar Dr. Carlos Arvelo, em Caracas, os venezuelanos se ressentem da ausência de li­derança que ameaça estagnar a economia do país. Analistas ligados à oposição estimam que a inflação, que esteve em comportados 20,1% em 2012 - 7,5 pontos a menos do que o ano anterior - deve passar dos 30% e aproximar-se dos 40% em 2013.

"Sem entrar no mérito do quanto foi oportuna ou não a des­valorização da moeda nacional em 31,7%, há duas semanas, o cer­to é que ela terá um efeito devas­tador sobre o índice de infla­ção", disse ao Estado o econo­mista da Universidade Central Davi Hurtado, referindo-se à me­dida que alterou o câmbio oficial de 4,20 bolívares por dólar para 6,30.

"O efeito inflacionário do ajus­te cambial deve se acentuar ain­da mais diante da constatação de que 70% dos alimentos consumi­dos na Venezuela são importa­dos ou têm insumos importa­dos. Some-se a isso a incerteza causada pelo cenário político e a redução da capacidade financei­ra dos setores produtivos e per­ceberemos um quadro sombrio de inflação e paralisação econô­mica", avalia.

A questão da desvalorização da moeda é um dos pontos que dividem a oposição venezuela­na. Alberto Quirós Corradi, eco­nomista ligado à Mesa da Unida­de Democrática (MUD), consi­dera "um erro" as críticas ao go­verno em razão da desvaloriza­ção. "Se tivéssemos vencido (as eleições) teríamos de ter feito o mesmo. O que se deve condenar são as razões que levaram a essa decisão: distribuição de dinhei­ro, destruição da capacidade pro­dutiva e aumento das importa­ções, gasto público excessivo e uma enorme corrupção", escre­veu no fim de semana, em artigo publicado no jornal El Nacional

Outras fissuras afetam a fren­te opositora. A iminência de uma eventual eleição presiden­cial acirrou as pretensões de re­presentantes dos vários parti­dos que a formam.

A candidatura do governador de Miranda e concorrente derro­tado por Chávez na corrida presi­dencial de 7 de outubro, Henri­que Capriles, já não é tão automá­tica quanto parecia no fim de 2012.

Outros candidatos, como Pa­blo Medina, da Junta Patriótica, perfilam-se como postulantes - embora nenhum deles admita is­so abertamente.

A Constituição venezuelana prevê que, no caso de ausência permanente do presidente, no período anterior a dois terços do mandato de seis anos, uma elei­ção presidencial seja realizada no prazo de 30 dias.

O candidato governista, desig­nado por Chávez desde 8 de de­zembro - quando o líder bolivariano anunciou que se submete­ria a uma nova cirurgia em seu tratamento contra o câncer em Cuba deve ser o vice-presidente Nicolás Maduro.

Denúncia. O coordenador na­cional do partido opositor Primero Justicia, Julio Borges, asse­gurou ontem que Maduro men­tiu à população no sábado, quan­do afirmou ter se reunido por cin­co horas com Chávez no hospi­tal militar.

"É falso. Nessa noite, pacien­tes e parentes de pacientes que estavam no hospital viram Madu­ro chegar ao local apenas uma hora antes de ele fazer as declara­ções para as câmeras da TV esta­tal", acusou Borges. "Foi uma montagem. Uma mentira."

Na véspera da declaração de Maduro, dois ministros chavistas - o chanceler, Elias Jaua, e o das Comunicações e Informa­ção, Ernesto Villegas - tinham in­formado sobre uma piora das condições de saúde do presiden­te, em razão de uma insuficiên­cia respiratória.

Chávez respira com auxílio de uma traqueostomia e se comuni­ca com seus parentes e aliados por escrito, de acordo com infor­mações divulgadas por Villegas pouco antes da volta do presiden­te à capital.

Ontem, uma semana depois do retorno sigiloso de Chávez a Caracas, nenhuma fonte tinha dado mais informações sobre o estado do presidente.

Câmbio é controlado

Na Venezuela, o câmbio é fixo e controlado com mão de ferro pelo governo. Até o mês passado, o dólar era cota­do a 4,30 bolívares. Mas, no mercado negro, a moeda ame­ricana valia até seis vezes mais, reflexo da escassez do dólar no país, o que dificulta­va as importações e provoca­va falta nas prateleiras de pro­dutos vindos de fora - espe­cialmente alimentos. Com a desvalorização, o governo tenta obter mais receita em bolívares para equilibrar o déficit fiscal, já que gasta mais do que arrecada e a prin­cipal receita do país é a ven­da do petróleo. O efeito cola­teral é o aumento dos preços dos importados, que pressio­na a inflação.