Título: Transição cria expectativas em Cuba
Autor: Orsi, Peter
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/02/2013, Internacional, p. A12
Anúncio de Raúl e nova composição de cúpula cubana anima população, que se prepara para saída de cena da velha guarda
Há mais de 54 anos alguém com o sobrenome Castro governa Cuba. E a situação deve permanecer assim por mais cinco anos. Tanto os cubanos que vivem na ilha como os exilados em Miami e em outros lugares souberam no domingo que 2018 é a data para a saída de cena de Fidel e Raúl, com a possível chegada de uma nova liderança.
Raúl, perto de completar 82 anos, aceitou no domingo o que disse ser seu último mandato de cinco anos como presidente de Cuba. Pela primeira vez, os holofotes recaíram sobre uma estrela em ascensão: Miguel Díaz-Canel, de 52 anos, apontado como primeiro vice-presidente e o mais cotado para suceder ao general. "Esse será meu último mandato", disse Raúl.
Segundo Raúl, deve ser estabelecido um limite máximo de dois mandatos presidenciais seguidos de cinco anos. No novo cargo, Díaz-Canel está a um passo da presidência. Ele foi colocado acima de qualquer outro membro da burocracia estatal que não tenha participado diretamente dos vertiginosos dias da Revolução Cubana.
Em seu discurso de 35 minutos, Raúl deu indícios de outras mudanças na Constituição, algumas tão drásticas que terão de ser ratificadas em referendo. O presidente, apesar disso, rejeitou a possibilidade de o país deixar o socialismo de imediato, dizendo que ele não tinha assumido a presidência com o objetivo de destruir o sistema cubano.
Insinuações. Raúl aumentou o interesse sobre a reunião do Parlamento cubano no domingo fazer insinuações na sexta-feira sobre uma possível aposentadoria e indicar que, em algum momento, renunciaria. Agora, está claro que não estava brincando sobre sua saída. Falava sério quando prometeu que o discurso de domingo provocaria fogos de artifício e trataria de seu futuro.
Ao falar ao Parlamento sobre sua decisão de escolher Díaz-Canel como seu número 2, Raúl disse que Cuba tinha alcançado uma "transcendência histórica, porque representa um passo definidor na configuração da direção futura do país em meio a uma transferência gradativa dos cargos para as novas gerações."
Com o anúncio, Díaz-Canel suplanta José Ramón Machado Ventura, de 81 anos, companheiro de armas dos irmãos Castro em Sierra Maestra. Raúl o elogiou, assim como a outros funcionários, por oferecerem deixar os cargos para que líderes mais novos pudessem ascender.
Nas ruas de Havana, onde as pessoas costumam expressar um ceticismo tedioso em relação a tudo que se pareça com política, percebeu-se uma emoção genuína. "Esse é o início de uma nova etapa", disse Roberto Delgado, um aposentado de 68 anos, em uma rua no arborizado distrito de Miramar. "Agora temos de esperar como as coisas se desenrolam. Sem dúvida, vai ser um processo complexo e difícil, mas o que aconteceu é importante."
"Estou fascinada", disse Regla Blanco, uma trabalhadora de 48 anos. "Ate que enfim se deixa espaço para os jovens. Acredito que isso vai animar as pessoas, pois com todos esses homens tão velhos se pensava que a situação nunca mudaria."
Desde que substituiu Fidel, em 2006, Raúl iniciou uma série de mudanças econômicas e sociais importantes. Aumentou a iniciativa privada, legalizou o mercado de bens de consumo e relaxou restrições a viagens.
Se mantiver sua palavra, Raúl deixará o cargo em 2018. Os exilados cubanos nos EUA têm esperado por décadas para ver o fim da era Castro, ainda que, provavelmente, isso não se dará da maneira que desejaram. Ainda assim, a promessa de mudança de liderança em Cuba pode ter um significado profundo para as relações do país com os Estados Unidos. O embargo econômico, em vigor há 51, anos, por exemplo, tem uma cláusula que vincula sua duração ao tempo de permanência dos Castros no poder.
Na Flórida, lar de milhares de exilados cubanos, alguns se mostram céticos quanto a uma possível mudança trazida pelo anúncio de aposentadoria de Raúl. "Primeiro temos de ver se ele vive mais cinco anos. Depois, veremos o que acontece", disse o cubano Raúl López Mola, de 81 anos, que trocou a ilha por Miami em 1966. "Seria mais significativo se Fidel morresse."