Título: Papa afasta cardeal acusado de assédio sexual e autoriza antecipação do conclave
Autor: Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/02/2013, Vida, p. A14

Religião. Denúncias de quatro ex-seminaristas contra o britânico Keith O"Brien, de abusos supostamente cometidos nos anos 1980, foram divulgadas pela imprensa no fim de semana; oficialmente, porém, Vaticano alega que cardeal renunciou por motivo de idade

Em dois movimentos separa­dos às vésperas de deixar o car­go, o papa Bento XVI afastou ontem o cardeal britânico Keith O"Brien da eleição que vai escolher o seu sucessor e assinou um decreto autorizan­do os cardeais a antecipar o iní­cio do conclave.

Oficialmente, o Vaticano ale­ga que O"Brien - acusado por qua­tro ex-seminaristas de assédio sexual ocorrido nos anos 1980, conforme revelou a imprensa britânica no fim de semana - re­nunciou e o papa apenas aceitou a decisão. Na prática, ficou claro que a rápida reação da Santa Sé à denúncia contra O"Brien mostra o esforço do papa em abafar os escândalos de abusos sexuais na Igreja. Já a decisão de acelerar o conclave reforça a intenção de acabar o mais rapidamente possí­vel coma fase de incerteza após a renúncia de Bento XVI, que será formalizada na quinta-feira.

Apesar do afastamento de O"Brien, BentoXVI decidiu que toda a investigação realizada sobre corrupção e abusos dentro da Igre­ja será mantida em absoluto sigilo e o informe produzido será repas­sado a apenas seu sucessor, não aos demais cardeais. Segundo os jornais italianos, o dossiê de 300 páginas contém revelações sobre uma rede de prostituição homos­sexual para servir ao alto clero. Ou­tra constatação seria uma disputa entre diferentes alas e indícios de corrupção, o que teria levado o pa­pa a pedir demissão.

A acusação contra O"Brien já estava com o papa semanas atrás, quando a Santa Sé, acuada por denúncias de corrupção e di­visão da Cúria, atacou a impren­sa por revelar "mentiras e fanta­sias" sobre os bastidores da Igre­ja. Aparentemente, a Santa Sé jo­gou na época com a iminente apo­sentadoria do cardeal britânico - que em março completa 75 anos, idade limite para ocupar o cargo - para evitar um desgaste maior.

Ontem, após as denúncias de abuso sexual virem à tona pela imprensa, o cardeal britânico anunciou sua renúncia. Oficial­mente, o Vaticano insistiu que todos os cardeais seriam autori­zados a entrar no Vaticano para o encontro, incluindo O"Brien. A forma encontrada pela Santa Sé para se desfazer da situação polê­mica teria sido convencer o pró­prio cardeal a anunciar sua re­núncia também ao conclave.

Mal-estar. Ontem, durante uma coletiva de imprensa no Vaticano, os porta-vozes da Santa Sé não es­condiam o mal-estar. O comunica­do da renúncia apresentado pelo Vaticano estava datado do dia 18 de fevereiro, num esforço de mos­trar que a decisão era anterior à revelação dos abusos pela impren­sa. Federico Lombardi, porta-voz do Vaticano, insistiu que o papa já havia tomado a decisão de aceitar a renúncia e o "atraso" na impres­são do comunicado ocorria ape­nas por contado acúmulo de acon­tecimentos nos últimos dias.

Faltou combinar com O"Brien. "Não desejo que a atenção midiática se concentre em mim, mas no papa Bento XVI e em seu su­cessor, por isso não irei ao concla­ve", declarou ele ao site da Dioce­se de Edimburgo. Mas, em um texto cuidadosamente escrito, deixa claro que a decisão de não viajar a Roma não foi sua.

Segundo o texto do site, o papa teria aceitado sua renúncia no dia 13 de novembro, respeitando a fórmula nunc pro tunc - ou seja: agora, mas com validade no fu­turo, ou dia 17 de março, quando o cardeal cumpre 75 anos. "Mas o santo padre decidiu agora que mi­nha demissão tem efeito hoje, 25 de fevereiro de 2013", indicou.

O"Brien, o principal cardeal bri­tânico, passou anos defendendo posições conservadoras em rela­ção ao aborto, à eutanásia e à ho­mossexualidade. Mas, na semana passada, surpreendeu ao defen­der que padres possam se casar.

Para o vaticanista John Allen, a "renúncia" de O"Brien foi uma manobra da Santa Sé para evitar desgaste. "Se o papa fosse visto como tendo expulsado um car­deal às vésperas do conclave, lo­go viria a pergunta: e por que não os demais?", disse ao Estado. Alien se referia à lista de car­deais que estariam sob pressão para renunciar por terem abafa­do, por anos, crimes cometidos em suas dioceses, entre eles dois norte-americanos e um belga, que estarão no conclave.