Título: Argentina pode estar perto de calote
Autor: Guimarães, Marina
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/02/2013, Economia, p. B7

Advogados, economistas e exe­cutivos de bancos estão preo­cupados com a decisão que a Justiça dos Estados Unidos vai tomar sobre a disputa en­tre a Argentina e os credores de títulos não reestruturados, denominados holdouts. O país se prepara para apresen­tar suas alegações em audiên­cia hoje para três juizes da Câ­mara de Apelações do Segun­do Distrito de Nova York. A de­cisão dos juízes de segunda instância pode definir o perfil da dívida argentina nos próxi­mos anos e até levar o país a um calote técnico, depois da histórica moratória declarada em 2001.

A Argentina declarou morató­ria de uma dívida de US$ 122 bi­lhões em dezembro de 2001. O país apresentou então proposta de reestruturação com desconto de 67% no valor nominal dos títu­los e prazo de 20 anos para pagamento. Obteve um nível de acei­tação de 93% dos credores. Al­guns detentores de títulos, no en­tanto, não aderiram.

Agora, fundos como NML Ca­pital, Aurelius e Blue Angel, cha­mados pelo governo de "abu­tres", e outros 13 investidores tentam obter o pagamento inte­gral da dívida por meio da Justi­ça e de embargos de ativos argen­tinos no exterior.

A Câmara de Apelações vai rea­lizar audiência para tratar o as­sunto em uma causa no valor de US$ 1,3 bilhão movida por esses três fundos. O tribunal de apela­ções de Nova York terá de deci­dir se ratifica decisão anterior de que a Argentina precisa pagar 100% da dívida em títulos não repactuados. Essa decisão pode ter um efeito cascata e envolver o total da dívida não reestrutura­da, que é de US$ 6,5 bilhões de capital principal. Somado aos juros calculados pelo governo, o montante chegaria a US$ 11 bi­lhões, incluindo o valor do pro­cesso que será analisado hoje.

O governo de Cristina Kirchner se nega a pagar os chamados holdouts. Se a Justiça definir con­tra o governo argentino, os ati­vos que o país deposita para pa­gar os credores que aderiram à reestruturação sofrerão embar­gos para garantir o pagamento aos holdouts e isso se configura­ria em calote técnico para a Ar­gentina.

Apoio americano. Nessa causa, a Argentina tem o apoio de ban­cos emissores, de credores que aceitam a reestruturação de títu­los, de corretoras e até do Tesou­ro e do Departamento de Estado americano, que se apresentaram como parte interessada no pro­cesso. O apoio visa à necessidade de preservar as emissões in­ternacionais de bônus feitas com a legislação e sob a jurisdi­ção de Nova York, um negócio que proporciona comissões aos bancos emissores e pagadores.

Se a Argentina for obrigada a pagar a esses credores o que ne­gou aos que aceitaram a renego­ciação, todas as demais reestru­turações de dívidas soberanas estariam comprometidas. "Nin­guém mais verá sentido em acei­tar uma reestruturação com des­conto e prazos longos, enquanto a Justiça garante o pagamento de 100% do valor, imediatamen­te e em cash", ponderou recente­mente o ministro de Economia da Argentina, Hernán Lorenzino. Após a audiência, o Tribunal de Apelações pode demorar entre dois e quatro meses para anunciar sua decisão, passível de recurso à Corte Suprema.