Título: Problemas de conteúdo local
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Fonte: O Estado de São Paulo, 03/03/2013, Notas e Informações, p. A3

Promessa de campa­nha eleitoral trans­formada pelo ex- presidente Lula em política pública, que foi mantida no governo Dilma, a exigência de conteúdo local mínimo nos equipamentos utilizados pelas empresas de petróleo nas ativi­dades de exploração e de desen­volvimento da produção já ameaça os programas de investi­mento da Petrobrás e pode comprometer sua participação na na rodada de licitações de blocos de petróleo e gás marca­da para maio próximo.

Alcançar o maior êxito nos lances que ofertarão na próxi­ma licitação é crucial para a Pe­trobrás e as demais empresas do setor, pois a suspensão dos leilões de novas áreas por mais de quatro anos - período que o governo consumiu para definir as regras para o pré-sal - resul­tou na paralisação dos progra­mas de investimentos dessas empresas em exploração, de que depende o aumento ou, no mínimo, a recomposição de sua produção.

Dadas as exigências de con­teúdo mínimo estabelecidas pe­la Agência Nacional do Petró­leo, Gás Natural e Biocombustível (ANP) para as áreas a se­rem licitadas em maio, porém, a Petrobrás teme que não pos­sa cumpri-las, porque a indús­tria nacional não está em condi­ções de atendê-las.

Para não incorrer no descumprimento dessas exigências - o que resultaria em multas vulto­sas, num momento em que ela executa um severo programa de corte de investimentos e cus­tos -, a Petrobrás enviou carta à ANP na qual pede a redução do índice de conteúdo local para 43 itens. O momento é adequa­do para a manifestação dos inte­ressados nas licitações, pois as regras dos novos leilões estão na fase de consulta pública.

A primeira reação da ANP, por meio de sua diretora-geral, Magda Chambriard, foi negati­va. Ela disse que não haverá mu­danças nas regras, pois, como declarou ao jornal O Globo, "conteúdo local é uma política de governo" e "cabe à Petrobrás e à ANP implantá-la". Argumen­tou também que não pode anali­sar "dificuldades momentâ­neas" da Petrobrás nem avaliar uma "situação momentânea" da cadeia de fornecedores de bens e serviços do setor de petróleo. O Ministério de Minas e Ener­gia igualmente negou a possibili­dade de mudanças nas regras.

Tudo isso estaria correto, se o problema fosse momentâneo, como o classifica a ANP. Não é. Trata-se de um problema estru­tural da indústria fornecedora do setor petrolífero. Sua incapa­cidade para atender às encomen­das de acordo com as especifica­ções técnicas, prazos e, sobretu­do, custos compatíveis com os observados no exterior tem cau­sado problemas à Petrobrás.

Há pouco, a empresa decidiu realizar na Ásia os trabalhos ini­ciais de transformação de três navios em plataformas de explo­ração na área do pré-sal que de­veriam ser feitos no Estaleiro Inhaúma, no Rio de Janeiro. A empresa não quer atrasar os tra­balhos, pois as plataformas se­rão utilizadas nas áreas de ces­são onerosa da Bacia de Santos, por cujos direitos ela pagou an­tecipadamente à União. Mas o estaleiro contratado para esses serviços ainda não concluiu a re­forma do cais onde os navios se­rão transformados em platafor­mas de exploração, produção e armazenamento de petróleo.

A Petrobrás garante que a rea­lização dos serviços iniciais na Ásia não fere as exigências de conteúdo local nem as regras fi­xadas pela ANP. Mas o que esse caso e a carta enviada pela em­presa à agência reguladora dei­xam evidentes são os proble­mas que a política de excessiva proteção à indústria nacional - de inspiração puramente ideoló­gica - está gerando para a Petro­brás, cada vez mais transforma­da em instrumento para ações de interesse político do gover­no, e para a economia brasilei­ra, em razão dos atrasos e da al­ta de custo que dela resultam.

Podem ser muitas as vanta­gens de estimular a produção lo­cal dos equipamentos para a ex­ploração do petróleo do pré- sal, pois, além da geração de em­pregos, isso pode permitir a transferência de tecnologia. Mas o modelo criado pelo go­verno do PT esbarra na falta de preparo da indústria local, na exigência exagerada de conteú­do local e nos custos excessivos que impõe à Petrobrás - que apoia ostensivamente essa polí­tica, mas, na prática, está sendo obrigada a escapar dela ou a pe­dir seu alívio.