Título: Impasse eleitoral faz Itália reviver era de desgoverno
Autor: Netto, Andrei
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/03/2013, Internacional, p. A11

Entre os italianos, um velho di­tado vem sendo lembrado nos últimos dias, desde que o país mergulhou em um impasse eleitoral que o deixou desgo­vernado: a Itália é o lugar em que os comediantes fazem po­lítica e onde os políticos fa­zem comédia. Em uma sema­na marcada por ofensas e bate- boca, o adágio nunca pareceu tão verdadeiro.

Em um país onde os partidos políticos só são bem avaliados por 4% da população e onde 50% dos votos foram parar nas mãos do ex-premiê Silvio Berlusconi, minado por processos de corrup­ção, e por um candidato "antissistema" de ideologia irreconhe­cível, o populista e ex-comedian­te Beppe Grillo.

Já afundada em uma crise eco­nômica que elevou sua dívida pú­blica a 127% do PIB - um pata­mar comparável apenas ao da Grécia -, a Itália vive neste ins­tante um dos mais graves mo­mentos políticos de sua história recente. Ao conquistar decepcio­nantes 30% do eleitorado, o social-democrata Pier Luigi Bersani, do Partido Democrático (PD), obteve a maioria na Câma­ra dos Deputados, mas não no Senado, cuja bancada mais nu­merosa ficou com o partido O Povo da Liberdade (PDL), con­trolado por Berlusconi, que ar­rancou um virtual empate técni­co na eleição.

Grillo completa o problema. Líder do pouco conhecido Movi­mento 5 Estrelas (M5S), uma le­genda sem coligações e sem es­trutura, criada há menos de três anos, mas cujo discurso antieu­ro e antipolíticos conquistou quase um quarto do eleitorado. Para piorar, o PD, o PDL e o M5S são grupos com interesses anta­gônicos, incapazes de um con­senso, mesmo em um cenário de crise e na iminência do fim do mandato do presidente Giorgio Napolitano, um dos esteios mo­rais do país.

Em Roma, o consenso é que Bersani deve formar um gover­no de minoria, mas ele cairá em questão de meses - ou semanas. "Este é um momento incrível na história da Itália", disse Nicola Tropenscovino, comerciário de 36 anos, morador de Roma. "Não temos um primeiro-ministro pa­ra o Palácio de Chigi, o presidente está saindo, o chefe de polícia está licenciado por problemas de saúde e até o papa deixou o Vaticano. Estamos sem governo algum."

Rotatividade. Para muitos ana­listas, de dentro e de fora da Itá­lia, o maior problema do país é que o desgoverno se tornou crô­nico. Nos últimos 20 anos, o pos­to de primeiro-ministro foi alte­rado 11 vezes. Apesar da rotativi­dade, na prática, apenas dois par­tidos se revezaram no poder, dando aos italianos a sensação de que as eleições não mudam os dirigentes.

"Muitos julgavam que Berlus­coni era o culpado da crise da so­ciedade italiana. Não é. Ele é só a consequência. É o reflexo de pro­blemas que vêm de muito mais longe", disse ao Estado o cientis­ta político Luigi Buononato, pro­fessor aposentado da Universi­dade de Turim. "Eu estou pro­fundamente triste, abalado e in­dignado. Este não será jamais um governo sério. A Itália, está sempre em busca da saída de uma crise."

A desilusão no discurso de Buononato explica, em grande parte, a adesão dos eleitores a um ex-comediante como Grillo, mesmo sem ideologia definida. Para Leonardo Morlino, cientis­ta político da Universidade Li­vre de Estudos Sociais Luiss Gui­do Garli, de Roma, a ingovemabilidade reflete a incapacidade da população de enfrentar o declí­nio do país.

"A eleição foi, sem dúvida, um voto contra a política de austeri­dade na Europa", disse Morlino. "Mas, ao mesmo tempo, foi uma demonstração objetiva da difi­culdade dos italianos de com­preender que vivem acima de seus próprios meios e desconec- tados da realidade."