Título: Dissidência acusa Cuba de prender 470 em fevereiro
Autor: Russo, Guilherme
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/03/2013, Internacional, p. A12

Regime reprimiu opositores no dia da sessão da Assembleia Nacional que reelegeu Raúl Castro para novo mandato de 5 anos

Havana, 24 de fevereiro de 2013. O Parlamento de Cuba prepara-se para nomear o no­vo Conselho de Estado, a mais alta instância de poder do país, dois dias depois de o pre­sidente Raúl Castro ter cogita­do a possibilidade de renun­ciar. Dissidentes preparavam manifestações na capital cuba­na - e a população nem imagi­nava que o chefe do Executivo havia falado em aposentar-se.

Os protestos resultaram em detenções políticas mal noticia­das de mais de cem opositores, enquanto o líder era reeleito, sob o anúncio de sua saída do cargo em 2018. Manchetes de to­do o mundo informaram a data marcada para o início da era pós-castrista.

Como fazem todos os domin­gos, integrantes das Damas de Branco foram à missa das 10 ho­ras na Igreja de Santa Rita de Cás­sia, na Quinta Avenida, no bairro Miramar, começando o protesto que repetem desde que se mobilizaram pela libertação de seus ma­ridos e filhos - após a Primavera Negra, de 2003, que resultou na prisão de 75 dissidentes, 16 dos quais ainda cumprem pena em regime domiciliar, segundo re­gistros da Comissão Cubana de Direitos Humanos e Reconcilia­ção Nacional (CCDHRN).

Mesmo após 2011, quando to­dos os seus parentes já haviam sido soltos, as Damas de Branco continuaram a protestar contra o regime.

Naquele domingo, a manifestação das ativistas lembrava os 17 anos das quatro mortes ocorri­das na derrubada de duas avionetas da Hermanos al Rescate (Ir­mãos ao Resgate), entidade de cubanos exilados em Miami, que invadiam o espaço aéreo de Cuba para lançar folhetos de campanha contra o governo e ajudar balseiros que arriscavam-se no Mar do Caribe para fugir da ilha. O opositor Orlando Zapata Tama­yo, preso político que morreu em 23 de fevereiro de 2010, após 86 dias em greve de fome, também foi lembrado no protesto.

Orientadas pela dama Berta Soler, as manifestantes junta­ram-se diante de um altar nos fundos da igreja após a missa, às 12 horas. Atentas aos sinais da líder, rezaram.

Com fitas negras amarradas nos braços, para simbolizar o lu­to de que recordavam, vestiam camisetas com a imagem de Lau­ra Pollán, fundadora do movi­mento, morta em outubro de 2011, jaquetas justas e calças compridas. Todas de branco.

Depois da oração, as 56 damas formaram duas filas paralelas diante da igreja, segurando ra­mos floridos de gladíolos. E ini­ciaram sua marcha silenciosa. A passeata começou pela calçada. De maneira ordenada, atravessou a via pela faixa de pedestrese tomou o canteiro central da ave­nida. Muito concentrada, Berta comandava o ritmo dos passos das damas.

A líder foi a única a romper o silêncio da caminhada, quando entrou ao vivo falando de seu ce­lular para a Rádio Martí, de Mia­mi. Gritava a plenos pulmões um discurso inflamado contra o governo de Raúl Castro, expli­cando as razões específicas da manifestação daquele dia. "O dia de hoje marca o reinício da luta pela liberdade em Cuba", disse a ativista.

Além do Estado, três repórte­res cubanos dissidentes, da Agência Social de Jornalistas In­dependentes (Aspic, na sigla em espanhol) - apoiada pela blogueira Yoani Sánchez -, acompanha­vam o protesto: David Aguila, Joisy García e Yuri Valle.

"Raúl está mal da cabeça. Não tem a cabeça sobre os ombros. É louco", afirmou Berta furiosa­mente à reportagem, logo após encerrar sua conversa com a rá­dio americana, comentando a de­claração do presidente sobre sua possível renúncia.

Repressão. Ao dobrar à direita na Rua 34, saindo da Quinta Ave­nida, as Damas de Branco passa­ram a marchar pelo meio da via. Pouco depois, dois carros para­ram aproximadamente 100 me­tros à frente da manifestação e cerca de dez homens fortes des­ceram do sveículos, que não che­garam a obstruir completamen­te a passagem.

De braços cruzados e estufan­do o peito, eles encaravam as ma­nifestantes com expressões fe­chadas, de maneira ameaçadora. Berta disse para as damas irem para a calçada, orientação que to­das atenderam imediatamente, e se prepararem para se sentar ou se deitar no chão, para resistir de maneira pacífica a qualquer tentativa de detenção por parte das autoridades cubanas - que costumam respeitar e permitir os protestos semanais do movi­mento.

Detenções. Pelo menos 150 "contramanifestantes", vindos do lado oposto da rua, aparece­ram correndo em direção ao bloqueio dos homens mal-encara­dos, gritando máximas em favor do regime cubano e de seus he­róis, enquanto duas motocicle­tas com batedores uniformiza­dos e vários carros de polícia re­pletos de agentes à paisana cerca­ram as damas por todos os lados.

Imediatamente, um ônibus vazio foi estacionado próximo às damas e as detenções começa­ram. Enquanto as manifestantes eram levadas à força para dentro do veículo, outros policiais fo­ram em busca de prender todos que estivessem no entorno do protesto.

Neste momento, do Estado também foi detido, juntamente com os jornalistas dissidentes que também acom­panhavam o protesto. Todos os presos foram soltos pouco de­pois.

"Para nós, está provado que a polícia política secreta espiona a dissidência e planeja minuciosa­mente a maneira como reprime cada manifestação. Esse procedimento, que envolve o "contrapro­testo" aliado à operação policial, é comum na repressão do gover­no cubano aos opositores", dis­se o diretor da CCDHRN, Elizardo Sánchez, afirmando que, em fevereiro, ao menos 470 prisões políticas foram registradas pela entidade.