Título: Venezuela tenta decifrar mistério de Chávez
Autor: Lameirinhas, Roberto
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/03/2013, Internacional, p. A12

Governo oculta detalhes sobre volta do presidente; informações sobre saúde do líder bolivariano seguem desencontradas

Centenas de chavistas correram para a frente do Hospital Militar Dr.Carlos Arvelo na manhã de18 de fevereiro. Horas antes, ainda durante a madrugada, o Twitter do presidente Hugo Chávez anunciava seu retorno a Cara­cas, após mais de dois meses em Havana, onde se submetera à quarta cirurgia para tratar do câncer detectado em 2011.

Vestida de vermelho da cabe­ça aos pés - roja, rojita, como se definem os chavistas mais fervo­rosos -, a enfermeira do hospital Dubraska Mora se encarregava de amplificar a euforia: "Povo da Venezuela, nosso presidente chegou caminhando, forte. Não chegou na maca, não chegou entubado, não chegou com ne­nhum processo invasivo".

A declaração da enfermeiraao canal estatal Venezolana de Televisión contrastava até mesmo com os comunicados oficiais dos dias anteriores, quando fotos de Chávez com suas filhas fo­ram divulgadas e seus ministros informavam que o presidente es­tava com uma cânula traqueal, que o ajudava a superar uma per­sistente insuficiência respirató­ria. Dubraska foi a única funcio­nária do hospital que declarou ter visto o presidente.

"Tudo o que tinha de ser dito já foi dito. Dubraska está em fé­rias, não há mais declarações", afirmou, uma semana depois, uma voz que não se identificou quando o Estado ligou para o te­lefone celular da enfermeira em Caracas. Aquilo que "já foi dito" estava nas emissoras de rádio e TV da Venezuela nos últimos dias. Dubraska admitiu que ela mesma não tinha visto o presi­dente, mas outras pessoas que trabalham no hospital, sim. Es­sas testemunhas disseram a ela que o líder tinha entrado na instalação caminhando.

Desde que Chávez partiu para Cuba, na madrugada de 9 para 10 de dezembro, poucas informa­ções sobre seu real estado de saú­de vieram a público. Na ausência de notícias precisas e diante de de­clarações oficiais contraditórias, os boatos tomam conta do país.

"Vivo em Caracas? Despa­chando com seus ministros da cama do hospital? Morto? Em coma irreversível em Havana? Nin­guém sabe", disse um diplomata europeu que serve em Caracas.

Uma decisão polêmica do Tri­bunal Superior de Justiça permi­tiu que Chávez eludisse o artigo constitucional que exigia sua presença para a cerimônia de posse que ocorreria em 10 de ja­neiro. Segundo a sentença, o mandato que começaria naquele dia era continuação do governo precedente. Assim, Chávez - em Havana, Caracas ou qualquer ou­tra parte - seguiria presidente.

Nem em Cuba nem na Vene­zuela, as visitas a Chávez foram permitidas. Presidentes como o peruano Ollanta Humala, a ar­gentina Cristina Kirchner e o boliviano Evo Morales - assim co­mo o ex-presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva e o as­sessor especial do Palácio do Pla­nalto, Marco Aurélio Garcia - ti­veram negados os pedidos para ver o líder bolivariano.

"O silêncio sobre a saúde de Chávez nos leva de volta à Guer­ra Fria, quando "kremilinistas" tentavam encontrar mensagens cifradas nos comunicados oficiais", afirmou Ewald Schwafenberg, membro da ONG de defesa da liberdade de expressão Insti­tuto Prensa y Sociedad (Ipys) e hoje correspondente em Cara­cas do jornal espanhol El País.

A referência encaixa-se nos úl­timos dias de Leonid Brejnev, quinto líder soviético, que mor­reu no dia 10 de novembro de 1982. Apesar de vários anos de deterioração aparente da saúde, a morte de Brejnev só foi anun­ciada oficialmente dias depois.

"A insuficiência respiratória surgida após aintervenção cirúr­gica persiste e sua tendência não tem sido favorável", declarou o ministro das Comunicações e In­formação, Ernesto Villegas, no comunicado do dia 22.

Logo após a divulgação do rela­tório, os venezuelanos - como os soviéticos do começo dos anos 80- tentavam decifrar o sig­nificado da escolha da expressão "sua tendência não tem sido fa­vorável". Quase certamente ela indicava uma piora nas condi­ções respiratórias de Chávez. O chanceler, Elías Jaua, emitiu in­formação parecida à de Villegas.

Menos de 24 horas depois, po­rém, Nicolás Maduro informou que tinha se reunido com Chávez no hospital por cinco horas. Julio Borges, um dos líderes da oposição, contradisse o vice-presidente. Segundo ele, pacientes e parentes de pacientes viram Maduro chegar ao hospital e sair menos de uma hora depois.

"A Venezuela nunca foi previ­sível, mas os últimos meses têm sido os mais estranhos da história política recente do país", afir­ma o consultor da empresa de análise Ecovene Antonio Solas. "Não há certeza sobre quem go­verna o país, não se sabe quando ou se o presidente vai se recuperar e não dá para afirmar com cer­teza o que pode ocorrer, caso se declare formalmente a incapaci­dade absoluta de Chávez."