Título: Combater a inflação, mexer no emprego
Autor: Goldfajn, Ilan
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/03/2013, Espaço aberto, p. A2

A inflação subiu no Brasil e com ela, as preocupações do governo. O discurso recente tem enfatizado o compromisso no combate à inflação. Melhor assim. E necessário transmitir a ideia de que há um guardião da inflação para evitar aumentos contínuos de preços. Se subirem muito, caem as vendas, perde-se mercado. É a âncora da economia. Mas não há almoço grátis, o combate à inflação requer estar disposto a abrir mão de coisas valiosas. A sociedade está preparada para (temporariamente) reduzir o consumo e desaquecer o mercado de trabalho para reduzir a inflação?

Ninguém gosta de fazer essa opção. As vezes nem é necessário. A maioria dos países vizinhos na América Latina está crescendo fortemente, com inflação em queda (o Peru cresce 6,3%, com inflação de 2,6%; o Chile, 5,6%, com 1,5% de inflação; o México, 3,9%, com inflação de 3,6%, etc.). É que uma vez que a inflação é combatida a estabilidade econômica e a melhora na produtividade favorecem o crescimento forte com baixa inflação.

Mas no Brasil as opções estão mais difíceis. Recentemente tem ocorrido o inverso dos nossos vizinhos: inflação em alta e crescimento tímido. O Banco Central (BC), na última ata, chamou a atenção para as "limitações pelo lado da oferta". O problema não é a falta de consumo, que tem crescido de forma robusta. É necessário produzir a um custo menor (mais produtividade) para crescer sem pressionar a inflação. Nesse caso, estímulos ao consumo não resolvem e podem até exacerbar o problema, pois distanciam a demanda do que pode ser ofertado sem inflação crescente.

Muitas vezes as soluções parecem caminhar na direção correta, mas podem não resolver o problema. Por exemplo, a desoneração de impostos na economia é um objetivo nobre a perseguir. Afinal, a alta e complexa carga tributária da economia brasileira é um gargalo ao crescimento. No curto prazo, os subsídios e o corte de impostos de fato podem reduzir os preços e ajudar a combater a inflação. Contudo, ao longo do tempo, se as desonerações e os menores preços estimularem ainda mais o consumo, sem correspondente aumento da oferta, o problema inflacionário persistirá.

Apesar da redução da tarifa de energia elétrica, que teve impacto relevante no índice de fevereiro, a inflação não tem cedido como desejado. Neste início de ano a inflação continuou elevada: no acumulado em 12 meses deve oscilar entre 6,2% e 6,6% até o final do terceiro trimestre, quando pode começar a recuar. A pressão dos alimentos tende a ser revertida, ao menos parcialmente, e a queda do preço das commodities agrícolas no mercado internacional pode ajudar. Porém observa-se uma maior disseminação no aumento de preços. O mercado de trabalho aquecido tem gerado aumentos de salários que, repassados aos preços, têm provocado resistência à queda da inflação.

Na atual conjuntura talvez seja necessário desaquecer temporariamente tanto o consumo, adequando-o, no curto prazo, à oferta mais restrita, quanto o mercado de trabalho, para permitir ajustar os aumentos de salários ao crescimento da produtividade do trabalho. Nesse caso, as desonerações apenas adiariam a necessidade desses ajustes para adiante.

Pode-se argumentar que a desaceleração do consumo e/ou do mercado de trabalho não seja necessária. Bastaria controlar as expectativas no curto prazo para evitar reajustes defensivos de preços, desonerar alguns preços no curto prazo, ganhando tempo para-que haja uma reação pelo lado da oferta: mais produção baseada em mais investimentos. Os investimentos levariam, ao longo do tempo, a aumentos de produtividade que permitiriam a adequação da economia aos salários atuais (e ao forte mercado de trabalho).

O problema é que a retomada dos investimentos, em particular, tem ocorrido de forma lenta, enquanto o consumo e o mercado de trabalho continuam robustos. Em 2012 a economia cresceu 0,9% e o investimento no mesmo ano teve queda de 4%. O consumo das famílias e os gastos do governo continuaram crescendo firmes, 3,1% e 3,2%, respectivamente.

Projeta-se uma retomada modesta do ritmo de crescimento do produto interno bruto (PIB), de 3% em 2013. Apesar do baixo crescimento projetado, espera-se que a taxa de desemprego continue baixa, mantendo o mercado de trabalho apertado e aumento dos salários reais. Boas notícias para um lado da economia, mas, por outro, dificultam o combate à inflação.

Um parêntese aqui. A combinação de crescimento modesto do PIB com mercado de trabalho aquecido tem deixado os analistas perplexos. Em geral, o crescimento do emprego e o do PIB caminham juntos. Nesse caso, dois fatores estruturais e um conjuntural criaram o aparente paradoxo. De um lado, o padrão de crescimento demográfico é tal que o ritmo de entrada dos jovens no mercado de trabalho é cada vez menor, limitando a oferta de trabalhadores disponíveis para a economia. O que algumas décadas atrás era abundante hoje é escasso. Por outro lado, a composição atual do crescimento do PIB no Brasil é mais intensa em mão de obra, pois o setor de serviços cresce mais e contrata mais gente. O fator conjuntural é que a indústria, percebendo esse processo estrutural de oferta menor e demanda maior de trabalho, tem retido os trabalhadores, em vez de dispensá-los, na esperança de uma retomada mais intensa da economia (esse fenômeno é

chamado de "poupança de trabalho"), como alertei neste espaço há mais de um ano. O resultado desse paradoxo é o que observamos: mercado de trabalho forte e pressões inflacionárias, mesmo com PIB fraco.

Pleno emprego, salários altos e consumo forte têm sido valiosos para a economia brasileira. A inflação sob controle também é um valor. Não está claro se há consciência na sociedade de que para manter a inflação sob controle possa ser necessário temporariamente reduzir o consumo e desaquecer o mercado de trabalho.

Economista-chefe e sócio

Itaú Unibanco.