Título: Venezuela se despede de Chávez sob temores de instabilidade política.
Autor: Lameirinhas, Roberto
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/03/2013, Internacional, p. A8
Milhares de chavistas acompanham cortejo fúnebre com o caixão do presidente, que deixou o hospital e foi até a academia militar, onde será velado; temendo cortes de suprimentos e escassez de alimentos, população corre a bancos, mercados e postos de gasolina.
Um modesto caixão envolto na bandeira venezuelana guiou ontem uma multidão vestida de vermelho por Caracas, enquanto o corpo do presidente Hugo Chávez, morto na terça-feira, era levado do hospital à academia militar onde permanecerá até o enterro, amanhã. Longe do cortejo, venezuelanos correram a bancos, mercados e postos de gasolina, temendo que uma eventual instabilidade política leve a cortes de suprimentos.
Em um clima carregado de emoção, dezenas de milhares de chavistas e militares em lágrimas lutavam para se aproximar do caixão do presidente que governou por 14 anos e prometeu criar na América Latina o socialismo do século 21. Outros erguiam os braços com os punhos cerrados aos gritos de "A luta continua! Chávez vive! "e "Chávez ao Panteão, junto com Simón", em alusão ao herói libertador Simón Bolívar.
A Venezuela, ou pelo menos a maior parte dela, está consternada. Multidões de partidários de Chávez, morto na terça-feira, lotaram as praças batizadas com o nome de Bolívar em várias cidades do país, numa vigília de luto que se estendeu pela madrugada de ontem, em meio a imagens de dor e desespero. Em Caracas, na mesma praça nas proximidades do Palácio Miraflores onde os chavistas celebraram vários triunfos políticos desde a chegada de Chávez ao poder, há 14 anos, as cenas eram de inconformismo e revolta.
"Se Chávez morreu, deveríamos morrer todos", dizia um fanático simpatizante chavista às câmeras da emissora estatal Venezolana de Televisión, que ontem se encarregava de equilibrar as expressões de dor com as mensagens de otimismo em relação ao futuro da "revolução bolivariana". As ações da mídia estatal são politicamente coreografadas: terminado o período de luto, os chavistas terão de retornar aos palanques para tentar levar ao Palácio Miraflores o agora presidente interino do país.
Em agências bancárias do centro de Caracas e postos de gasolina as filas eram longas e vários mercados e lojas da capital tiveram de fechar as portas antes. Muitos venezuelanos temem a falta de suprimentos caso haja problemas no processo de sucessão política, até as eleições.
Antes de o corpo de Chávez deixar o hospital, um padre conduziu uma oração por seu "eterno descanso" e a octogenária mãe do presidente, Elena Frias de Chávez, com um lenço na cabeça, debruçou-se sobre o caixão do filho. O sucessor político do líder bolivariano e presidente interino da Venezuela, Nicolás Maduro, caminhava à frente da multidão, acompanhado por vários integrantes do primeiro escalão do governo e sob a proteção de batedores da polícia.
À passagem de autoridades pelas ruas, chavistas davam gritos de apoio ao governo. Desde o amanhecer, canhões do Exército disparavam a cada hora. Ainda não foi anunciado onde será enterrado o presidente.
Vários chefes de Estado, incluindo o boliviano Evo Morales - que caminhou com Maduro à frente do caixão - , a argentina Cristina Kirchner e o uruguaio José Mujica, já estão na Venezuela. A presidente Dilma Rousseff e vários outros líderes internacionais, como o iraniano Mahmoud Ahmadinejad, devem chegar a Caracas hoje .
Mas, além da dor, a noite registrou também pelo menos um caso de violência. Uma repórter da emissora colombiana RCN foi agredida supostamente por um grupo de chavistas pouco depois do anúncio da morte do líder, na terça-feira. Ela deixou o local com o rosto sangrando e a agressão atraiu as críticas de organismos de defesa da liberdade de expressão.
O líder bolivariano morreu aos 58 anos após quatro cirurgias em Havana e várias sessões de químio e de radioterapia, em um tratamento contra o câncer na região pélvica que durou 18 meses. O anúncio da perda do presidente foi feito por Maduro, ao lado de autoridades venezuelanas e de parentes do presidente.
A morte de um presidente em exercício é algo inédito na história recente da Venezuela. O último caso do tipo ocorreu em 1935, com o ditador Juan Vicente Gómez. A Constituição determina a realização de eleições presidenciais em até 30 dias, nas quais Maduro deverá ser o representante do campo chavista contra Henrique Capriles, o líder da coalizão opositora Mesa de Unidade Democrática (MUD). Na madrugada de terça para quarta-feira, o presidente interino elogiou a "boa vontade da oposição venezuelana" diante da morte de Chávez.
"Acolhemos suas expressões respeitosas de condolência e as respondemos com boa vontade", disse Maduro, na rede Telesul, sobre o comunicado da MUD, lido por Capriles, lamentando a perda do presidente. "Espero que essas expressões se mantenham para que nossa Venezuela possa transitar por esses dias tão difíceis."
Desde a morte do líder, a cúpula política e militar do chavismo buscou mostrar publicamente que segue unida e dará apoio incondicional a Maduro. O ministro da Defesa da Venezuela, Diego Molero, que havia garantido lealdade ao presidente interino momentos após o anúncio da morte de Chávez, chegou a afirmar, de madrugada no Twitter, que as Forças Armadas dariam apoio a Maduro na disputa contra Capriles. / Com AP e EFE.
Para entender
Eleições serão em 30 dias
Com a morte do presidente venezuelano Hugo Chávez, na terça-feira, deverá haver novas eleições em até 30 dias na Venezuela, conforme determina o artigo 233 da Constituição. De acordo com o texto, em caso de "ausência absoluta" do presidente antes da conclusão de quatro anos de mandato, deve "ocorrer uma nova eleição universal, direta e secreta dentro dos 30 dias consecutivos".
A determinação vale para casos de ausência por morte, renúncia, destituição por sentença judicial, incapacidade mental decretada por junta médica ou abandono do cargo. A única hipótese, ainda de acordo com o artigo, para que o vice-presidente assuma o cargo definitivamente é uma ausência absoluta após o cumprimento de quatro anos do mandato - de um total de cinco.