Título: Morto há 40 anos, Vannuchi deixará de ser terrorista
Autor: Arruda, Roldão ; Tomazela, José Maria
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/03/2013, Nacional, p. A10

Governo concede anistia a estudante da USP que foi vítima da repressão e será lembrado em eventos

Na série de homenagens que está sendo organizada para lembrar os 40 anos da morte do estudante Alexandre Vannuchi Leme, a Comissão de Anistia do Ministério da Justi­ça vai realizar um ato público em São Paulo, na sexta-feira, para reconhecer a sua condi­ção de anistiado político.

No Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo (USP) será feito um julgamento simbólico do caso do estudante morto pela ditadura e, ao final, o Estado brasileiro admitirá que errou ao persegui-lo e pedirá des­culpas oficiais.

"Ao reconhecer seus erros o Estado reconhece o direito de re­sistência de quem lutou contra a opressão", diz o presidente da co­missão e secretário nacional de Justiça, Paulo Abrão.

O pedido de desculpas foi soli­citado pela família. "A declara­ção dele como anistiado político acaba com o estigma de terroris­ta e subversivo que o regime lhe impôs", diz Aldo Vannuchi, ouvi­dor da Universidade de Soroca­ba e tio de Alexandre.

Estudante de geologia e mili­tante da Aliança Libertadora Nacional (ALN), Alexandre foi mor­to no dia 17 de março de 1973, aos 22 anos. Em 1978 os estudantes da USP decidiram dar seu nome ao Diretório Central.

O ato público será no Institu­to de Geociências da universida­de, às 12 horas. Parentes do estu­dante, que morava em Sorocaba, a 92km da capital, estarão presen­tes. Paulo Vannuchi, ministro de Direitos Humanos no governo Luiz Inácio Lula da Silva e primo de Alexandre, é um dos organiza­dores da homenagem.

Atestado. O atual coordenador da Comissão Nacional da Verdade, Paulo Sérgio Pinheiro, tam­bém participará do ato. Na oca­sião, ele também entregará à fa- mília de Vladimir Herzog o novo atestado de óbito do jornalista.

De acordo com a versão oficial das autoridades, divulgada em 1975, Herzog teria cometido sui­cídio. Mais tarde ficou compro­vado que morreu sob tortura, mas o atestado de óbito perma­neceu o mesmo. Agora, por deci­são judicial, onde aparecia como causa da morte a expressão "asfi­xia mecânica por enforcamen­to", passará a constar: "Morte por decorrência de lesões e maus tratos sofridos durante o interrogatório em dependência do 2.º Exército (DOI-Codi)".

A família de Alexandre preten­de seguir o mesmo caminho, soli­citando novo atestado de óbito.

O estudante foi morto no mes­mo DOI-Codi, importante cen­tro de informação e repressão po­lítica durante a ditadura militar. Segundos depoimentos de ou­tros presos, ele foi torturado até a morte. Mas, na versão oficial divulgada pelas autoridades, teria si­do atropelado por um carro ao tentar fugir.

Sem nenhum aviso à família, o corpo foi enterrado em uma cova rasa no Cemitério de Perus, forrada com cal, para acelerar a decom­posição.

"Precisamos tomar essas provi­dências aos 40 anos de sua mor­te", afirma uma de suas irmãs, Ma­ria Cristina. "O Estado deve isso à memória de Alexandre, à nossa família e à sociedade", diz Aldo.

Missa histórica. Ainda na sexta- feira, após a cerimôniana USP, será celebrada uma missa na Cate­dral da Sé. Prevista para as 18 ho­ras, vai relembrar um dos primei­ros atos públicos de desafio à di­tadura no governo do presiden­te Garrastazu Médici: a missa organizada pelo então arcebispo da cidade, cardeal Paulo Evaristo Arns para tornar pública a morte e homenagear Alexandre.

No dia 30 de março, diante de quase 3 mil pessoas que lotavam a catedral, após terem enfrenta­do um pesado aparato militar destinado a impedir o afluxo de pessoas ao centro da cidade, o cardeal disse na homilia que a vi- da pertence a Deus e só Ele pode­ria dar fim a ela.A mãe de Alexan­dre estava na primeira fileira.

O celebrante agora será o bis­po emérito Angélico Sândalo Bernardino. Em 1973 ele era bispo auxiliar da arquidiocese e estava ao lado de d. Paulo na missa.

Os pais de Alexandre, José de Oliveira Leme, de 91 anos, e Egle Maria Vannuchi Leme, de 86, não vão participar dos eventos. Os dois não dão entrevistas e são pou­pados das notícias sobre o filho morto. "Eles se emocionam e fi­cam tristes cada vez que se tocano assunto", relata outra irmã, a pro­fessora Maria Regina.