Título: Chavismo estabeleceu aliança estratégica Brasil-Venezuela
Autor: Lameirinhas, Roberto
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/03/2013, Internacional, p. A11

Em 30 de setembro de 2005, em Brasília, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu a mais inesperada declaração sobre o governo de Hugo Chávez. A Venezuela, segundo ele, tinha excesso de democracia. Chávez fora demonizado no Brasil e comer ra o pão que o diabo amassou nos seus quatro primeiros anos no poder, segundo o brasileiro.

Lula dera essa declaração no Palácio do Planalto, logo depois de assinar o acordo de investimento conjunto, da PDVSA e da Petrobrás, na construção da refinaria Abreu de Lima, em Pernambuco. O projeto binacional ainda patina, mas à frase do então presidente brasileiro deu o tom de como as relações entre os dois governos era próxima, apesar das críticas ao equilíbrio entre ; os poderes no país vizinho.

Depois de eleito presidente, em 1998, Chávez fez ao Brasil sua primeira viagem ao exterior. Repetiu o gesto depois de empossado, em uma visita de Estado. O então presidente Fernando Henrique Cardoso estreitou laços, manteve contato cordial e até mesmo enviou um carregamento de gasolina para a Venezuela, em dezembro de 2002, quando Chávez enfrentava uma greve de petroleiros.

No início do governo de Lula, o presidente brasileiro, mostrava-se pragmático quando o tema, era a expansão das exportações do Brasil para a Venezuela. As exportações brasileiras para a Venezuela somavam apenas US$ 536,7 milhões no primeiro ano de mandato de Chávez. No ano em que Lula tomou posse, 2003, alcançaram US$ 608,2 milhões. Em seu último ano no governo, haviam saltado para US$ 3,854 bilhões, segundo os dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.

Em 2011, subiram 19,1% e somaram US$ 4,592 bilhões. Em 2012, o recorde foi batido outra vez. Em novembro, as exportações já somavam US$ 4,695 bilhões. Parte desses embarques deveu-se a grande obras públicas tocadas por empreiteiras brasileiras na Venezuela. Nos encontros bilaterais, a cada semestre, executivos dessas empresas acomodavam-se nas antessalas à espera dos resultados e de momentos oportunos de contato. Chávez foi, de longe, o líder estrangeiro com o qual Lula mais se encontrou em seus dois mandatos.

Conforme montou a aliança estratégica entre Brasil e Venezuela, estendida ao setor de energia, Lula tentou assumir a posição de moderador nas relações entre Chávez e os EUA. O brasileiro dava-se bem com o então presidente dos EUA, George W. Bush. Mas, em diversas ocasiões, as críticas de Lula aos EUA levaram o embaixador americano em Brasília a protestar.

Em certa medida, Lula conseguiu conter os impulsos de Chávez, que poderiam desenganar os próprios projetos brasileiros de liderança sul-americana e seus interesses na região. A interferência de Chávez nas decisões de Evo Morales sobre a nacionalização do setor de petróleo e de gás, que culminaram na intervenção militar em uma refinaria da Petrobras em Cochabamba, repercutiram mal em Brasília, assim como sua intromissão em questões relacionadas com a guerrilha colombiana. Lula conversou seriamente com Chávez sobre esses temas. Mas nunca o governo brasileiro criticou publicamente as ações de Chávez. O Palácio do Planalto, mais permeável ao discurso chavista, dava um tom de afinidade à relação entre os governo. No Itamaraty, a execução da política bilateral era um exercício obrigatório, mas conduzido a contragosto.

A expectativa de uma adequação da relação Venezuela-Brasil no governo Dilma Rousseff, em especial na vertente Democracia e Direitos Humanos, desmontou-se logo no início de seu governo. A presidente manteve os encontros com Chávez. Mas foi além de Lula ao dar seu aval ao ingresso pleno da Venezuela no Mercosul, sem o voto do Paraguai e o cumprimento, por Caracas, de sua agenda de convergência para as regras do bloco de livre comércio e de união aduaneira. A iniciativa, segundo Dilma, teve "significado histórico".