Título: Futuro indefinido
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/03/2013, Notas e informações, p. A3

Sem uma decisão clara do governo sobre o futuro das usinas nucleares in­cluídas nos planos estratégicos do se­tor elétrico e carente de um programa de investimentos adequado, que lhe assegure os recursos de que necessita, a es­tatal responsável pela extração e enriquecimento do urânio utilizado nessas usinas não consegue aumentar sua produ­ção e reconhece que o País não alcançará a autossuficiência nessa área até 2014, como pre­via o governo. Por isso, a Usina de Angra 3, que deve entrar em operação em 2016, funcionará apenas com urânio importado.

Lançado em 2007 e atualiza­do em 2008, o Plano Nacional de Energia (PNE) 2030 previa, além da conclusão de Angra 3, a construção de mais quatro usinas nucleares, duas delas no Nordeste e duas no Sudes­te. O argumento central utiliza­do pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), responsável pela elaboração do PNE, era o de que, na década de 2030, to­do o potencial hidrelétrico do País estaria praticamente utili­zado, o que exigiria a comple- mentação do sistema gerador com outras fontes.

A energia nuclear foi consi­derada a mais adequada para essa complementação, por ser uma fonte limpa (a usina nu­clear não lança poluentes na at­mosfera como fazem as usinas que utilizam gás ou óleo com­bustível) e porque, além de ter a sexta maior reserva conheci­da de urânio do mundo - com a possibilidade de melhorar a posição, pois as reservas conhe­cidas foram pesquisadas em apenas 25% do território nacio­nal -, o Brasil domina a tecno­logia de enriquecimento do urânio e utiliza essa fonte para a geração de energia elétrica há bastante tempo.

Pelo menos dois fatores, no entanto, estão exigindo revisão do PNE 2030. Fontes renová­veis, como a eólica e a biomassa, que em 2007 respondiam por 0,1% e 4,1% da geração de eletricidade, aumentaram sua participação para 0,5% e 6,6%, destacando-se como alternati­vas adequadas para comple­mentar a geração hidráulica.

Há dois anos, o acidente na usina nuclear de Fukushima, causado pelo terremoto e pelo tsunami que atingiram o Ja­pão, provocou uma revisão em escala mundial dos progra­mas de geração de energia nu­clear que resultou em aumen­to das resistências à utilização dessa fonte.

Até agora, porém, o governo não decidiu como ficará o pla­no energético para as próxi­mas décadas, o que gera incer­tezas entre as empresas do se­tor, algumas das quais pode­riam se associar à estatal Indús­trias Nucleares do Brasil (INB) na exploração de jazidas de urâ­nio. Além disso, por causa da política fiscal do governo, de cortar despesas de determina­das áreas para compensar as generosidades tributárias conce­didas a alguns setores da eco­nomia e os aumentos de ou­tros gastos, a INB - responsá­vel pela produção do combustí­vel nuclear, desde a mineração até seu enriquecimento - não tem conseguido utilizar, em média, mais de dois terços de seu orçamento, como mostrou o jornal Valor (13/3).

A capacidade máxima da única mina atualmente em operação no País, a de Ca­choeira, em Caetité (BA), per­mite a produção de aproxima­damente 400 toneladas de concentrado de urânio, conhe­cido como yellowcake. Essa pro­dução é suficiente para aten­der as Usinas Angra 1 e Angra 2, que geram aproximadamen­te 2 mil megawatts de energia elétrica. A exploração da mina de Cachoeira pelo método atualmente empregado se es­gotará em 2014, o que exigirá a exploração de veios subterrâ­neos, mas isso ainda depende de licenciamento ambiental.

O programa de enriqueci­mento de urânio, que eleva sua concentração até o nível neces­sário para sua utilização na ge­ração de eletricidade, está qua­se parado. O contrato entre a INB e a Marinha, que detém a tecnologia de enriquecimento do urânio, prevê a instalação de uma fábrica ao lado das ins­talações da estatal em Resende (RJ), foi assinado em 2000, mas seus resultados são ainda muito modestos.

Apesar da semiparalisia do programa de geração de eletri­cidade a partir de combustível nuclear, o governo mantém as obras de Angra 3, que depende­rá de urânio importado.