Título: Vaticano nega suposta ligação de Bergoglio com ditadura argentina
Autor: Chade, Jamill ; Netto, Andrei
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/03/2013, Vida, p. A22

Pressionado pela polêmica em tomo da suposta colaboração de Jorge Mario Bergoglio com organismos de repressão da ditadura militar da Argentina, o Vaticano lançou ontem uma ofensiva para tentar limpar o novo papa.

Em um pronunciamento sobre o assunto, o porta-voz da Santa Sé, Federico Lombardi, definiu as acusações como "caluniosas e difamatórias" e promovidas por grupos ideológicos "anticlericais de esquerda" para atacar a imagem da Igreja. Cardeais de diferentes países também se lançaram em defesa do pontífice.

O pronunciamento foi o primeiro movimento oficial do Vaticano para responder as críticas que ganharam novo fôlego após o fim do conclave, na quarta-feira à noite, que resultou na unção de Bergoglio como pontífice.

Segundo as acusações, iniciadas há 30 anos, o atual papa teria colaborado com a ditadura militar da Argentina, que deixou mais de 15 mil mortos e 30 mil desaparecidos entre 1976 e 1983. Desde então, duas investigações envolveram seiinpme. Amais importante diz respeito ao seqüestro de dois padres jesuítas, Orlando Yório e Francisco Jalics, em 1976, quando trabalhavam na periferia de Buenos Aires. Bergoglio, então com 39 anos, era o superior direto de ambos por exercer a função de provincial dos jesuítas na Argentina.

À época, ele sofria críticas de setores mais progressistas de sua congregação, ligados à Teologia da Libertação, que o acusavam de apatia frente à ditadura e de desmobilizar os jesuítas, levando-os a abandonar a ordem.

Yorio e Jalics teriam recebido ama ordem para deixar Buenos Aires, a qual teriam desobedecido. Três meses após o golpe mitar promovido pelo general Jorge Videla em 24 de março de 1976, os padres foram seqüestrados. Para os críticos de Bergoglio, a exclusão dos dois teria sido interpretada pela ditadura como uma autorização implícita para realizar o seqüestro.

Defesa. O Vaticano foi para. a ofensiva ontem.Visivelmente incomodado pelo assunto, o porta-voz da Santa Sé alegou que seria necessário responder às ilações, que considerou anacrônicas. Lombardi citou o escritor argentino Adolfo Pérez Esquivei, Prêmio Nobel da Paz. por sua luta pelos direitos humanos no país, que isentou Bergoglio de colaboração com o regime. "Esquivei não é particularmente próximo à Igreja", ressaltou.

"A campanha contra Bergoglio é conhecida e se refere a acontecimentos de muitos anos atrás. Foi promovida por uma publicação especializada em uma campanha de viés calunioso e difamatório", disse, alegando que as acusações teriam "caráter anticlerical". "Nunca houve uma acusação concreta e credível ao seu encontro. A Justiça argentina o interrogou uma vez, mas apenas como pessoa conhecedora dos eventos. Mas ele nuncafoi imputado por nada."

De acordo com o Vaticano, Francisco teria respondido às acusações "de forma fundamentada, com provas". "Existem muitas declarações que demonstram o quanto Bergoglio fez para ! proteger muitas pessoas no tempo da ditadura militar na Argentina", argumentou Lombardi. Para o porta-voz, as acusações fa-zem parte de um período da ditadura "influenciado por elementos ideológicos anticlericais de esquerda para atacar a Igreja".

A resposta às críticas também mobilizou religiosos de peso, que manifestaram apoio a Francisco. Ao Estado, o cardeal de Viena, Christoph Schõnborn, negou as especulações sobre o suposto passado obscuro do papa. ! "Eu não sei de detalhes de sua relação com o governo. Mas sei que isso não procede", disse.

Conhecedor da situação política da América Latina nos anos de chumbo, o arcebispo de Santiago do Chile, Javier Errázuriz Ossa, saiu em defesa de Bergoglio. "Um homem com tal coração jamais estaria envolvido em nada desse estilo", declarou. "Nem sabemos se é fato. Não há provas, nem qualquer indicação de que seja a realidade." Já o cardeal espanhol Carlos Amigo Vallejo, foi mais incisivo e acusou a imprensa de estar "ajudando a conturbar" a eleição do papa. "Não entendo porque fazem isso."