Título: Fiesp financiou a tortura, afirma ex-marido de Dilma
Autor: Ogliari, Elder
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/03/2013, Nacional, p. A6

Preso na ditadura e torturado, Carlos Araújo pede que comissão investigue "antro" empresarial; entidade diz se pautar por democracia

O advogado Carlos Araújo, ex- deputado estadual do Rio Grande do Sul pelo PDT e ex- marido da presidente Dilma Rousseff, pediu ontem que a Comissão Nacional da Verdade investigue empresários brasileiros que financiaram a repressão durante a ditadura militar (1964-1985), durante depoimento em audiência pública em Porto Alegre.

"Tenho certeza de que a Comissão da Verdade vai entrar nesse antro da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), que foi responsável não só por financiar, mas também por assistir e estimular a tortura", afirmou. Araújo disse que empresários chegaram a acompanhar sessões de tortura e teriam estimulado os agentes. O ex-deputado chegou a citar um nome - "Nestor Figueiredo", "que até hoje está na cúpula da Fiesp" - que estaria envolvido com o financiamento da repressão.

Em nota, a Fiesp afirmou que "a atuação da entidade tem se pautado pela defesa da democracia e do Estado de Direito, e pelo desenvolvimento do Brasil" e que "eventos do passado que contrariem esses princípios podem e devem ser apurados". A Fiesp informou que o nome de Nestor Figueiredo, citado pelo ex-deputado, não consta nos arquivos da federação.

Como sofre de enfisema pulmonar, Araújo ficou poucos minutos na audiência promovida pelas Comissões Nacional e Estadual da Verdade. A programação foi alterada para que ele falasse logo que chegou e saísse após cerca de dez minutos de depoimento.

O ex-deputado instigou a Comissão Nacional a cumprir a promessa de revelar as cadeias de comando, do general ao tortura- dor, conforme disse ao Estado o coordenador do grupo, Paulo Sérgio Pinheiro, em entrevista publicada no domingo. Araújo, que participou da luta armada, foi preso e torturado no Departamento de Ordem Política e Social (Dops) de São Paulo.

Ontem, Pinheiro ressaltou que uma das linhas de trabalho da comissão é investigar o financiamento da repressão no regime militar, mas admitiu que a questão é "delicadíssima".

Jango. Outro painel da audiência mostrou a situação atual das investigações da morte do ex- presidente João Goulart, deposto pelos militares. Tanto a família - que antes relutava - quanto os procuradores da República responsáveis pelo caso admitem a possibilidade de exumação do corpo, sepultado em São Borja (RS). Neto de Jango, Christopher Goulart disse que os descendentes concordam com o exame dos restos mortais, desde que haja certeza de que a análise será conclusiva. . A versão de que um enfarte matou o ex-presidente em 6 de dezembro de 1976, em Mercedes, na Argentina, passou a ser mais contestada após o depoimento de um ex-agente do serviço de inteligência uruguaio, Mário Neira Barreiro, preso no Rio Grande do Sul por crimes comuns, em 2007. Ele disse que ajudou a seguir o ex-presidente no Uruguai e que Jango morreu em função do uso de uma droga, colocada clandestinamente em seus medicamentos, para provocar o enfarte, a pedido de agentes brasileiros.

Na audiência, o governador gaúcho, Tarso Genro (PT), voltou a classificar como "lamentável" a decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal em 2011 que considerou os torturadores também beneficiados pela Lei da Anistia. O petista disse que essa posição será revista, pois "vozes importantes" dentro da Corte estariam dispostas a rediscutir o assunto. Tarso, no entanto, não citou nomes.