Título: Em Israel, Obama dá sinal de mudança em sua diplomacia para Oriente Médio
Autor: Simon, Roberto
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/03/2013, Internacional, p. A10

As expectativas estavam bai­xas quando o presidente Barack Obama chegou ao aero­porto de Tel-Aviv, na quarta- feira. Dois dias depois, no mo­mento em que deixou Amã de volta para Washington, o deba­te entre analistas era se Obama havia lançado as bases de uma nova política externa pa­ra o Oriente Médio, marcadamente distinta da que teve em seu primeiro mandato. Vários estão convencidos de que ares- posta é "sim".

A primeira visita oficial do pre­sidente a Israel veio em meio a uma estranha coincidência de da­tas: a assinatura dos Acordos de Oslo, que lançaram as negocia­ções de paz sob o princípio de "dois Estados para dois povos", está prestes a completar 20 anos; a invasão do Iraque, que - além da tragédia humana - acen­tuou a emergência geopolítica d oIrã, fez 10 anos; e a guerra civil na Síria, a mais sangrenta crise da chamada "Primavera Árabe", chegou ao seu segundo aniversá­rio. Nesses três eixos históricos da diplomacia americana na re­gião - o conflito palestino-israelense, o papel do Irã e a estabili­dade do mundo árabe - Obama emitiu sinais de mudança.

A fala do presidente meio gri­salho a estudantes israelenses, na semana passada, difere na for­ma e no conteúdo do discurso que fez o Obama recém-eleito na Universidade do Cairo, em 2009 - episódio tido como o "marco inicial" de sua relação com o mundo islâmico em geral. "Ver um presidente americano citando o Alcorão emocionou muita gente. Mas hoje é preciso reconhecer que aquilo foi um er­ro tático para o processo de paz", disse ao Estado Abdallah Schleifer, professor emérito da UniversidadeAmericana doCai- ro, que estava numa das primei­ras fileiras para ouvir Obama.

Do outro lado, o pronuncia­mento aos jovens israelenses foi "politicamente brilhante", afir­ma o acadêmico egípcio, pois mi­rou os principais obstáculos ao retorno das negociações: a opi­nião pública israelense e setores radicais pró-Israel nos EUA.

No Cairo, Obama adotou a es­tratégia da pressão sobre o gover­no israelense, advogando o fim da construção assentamentos e uma solução com base nas fron­teiras pré-1967. Somada às desa­venças com Netanyahu, a posi­ção dura lhe rendeu o status de líder americano mais impopular em Israel nas últimas décadas. As construções só aumentaram, apesar de Obama, e em 2011 o premiê israelense foi aplaudido de pé no Congresso dos EUA.

No discurso da semana passa­da, o foco migrou dos assenta­mentos para a criação do Estado palestino e o fim da ocupação. O presidente não pediu uma moratória na expansão de Israel em terra árabe (limitou-se a dizer que ela "não é apropriada"), mas usou palavras fortes ao insistir que israelenses devem aceitar o Estado palestino. "Coloquem- se no lugar deles (dos palesti­nos), vejam o mundo por meio dos olhos deles", disse, no impe­rativo, à plateia de Jerusalém.

Entretanto, poucos analistas acreditam em um retorno ime­diato ao diálogo. Dave Hartwell, da consultoria IHS Janes, apon­ta que tanto Netanyahu, à frente de um governo polarizado entre um campo pró-negociação e ou­tro pró-colonos, quanto o presi­dente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, estão "cada vez mais fracos internamente".

Ao recolocar a questão do processo de paz no centro do deba­te, Obama lutaria, principalmen­te, contra a perda de influência de Washington em um Oriente Médio em rápida transição. "Os EUA que abandonam o conflito árabe-israelense à sua própria sorte não merecem ser chama­dos de "superpotência". Abrir mão do papel principal nessetea- tro chamado "processo de paz" equivale a uma declaração de fa­lência da política externa ameri­cana", escreveu o israelense Akiva Eldar no site Al-Monitor.

Quid pro quo. Em relação ao Irã, o Obama "versão 2013" tam­bém tem um discurso largamen­te diferente ao do democrata eleito em 2009. Logo após en­trar na Casa Branca, o presiden­te deu sinais de abertura para a negociação nuclear, oferecendo em outubro daquele ano um acordo de troca de urânio por combustível nuclear - recusado por Teerã. Em seguida, foi Wa­shington que declinou de um pacto em termos similares nego­ciado por Brasil e Turquia e op­tou pelo caminho das sanções.

Com Netanyahu, na semana passada, o presidente indicou que um ataque unilateral israelense- algo que teria efeitos dramáti­cos em todo Oriente Médio - de­ve ser decidido em Tel-Aviv "e não em Washington". Obama dis­se ainda que EUA e Israel concor­dam que Teerã terá capacidade de produzir uma arma nuclear em até um ano, superando, ao menos publicamente,as diferenças de es­timativas entre os serviços de in­teligência dos dois países.

O alinhamento entre america­nos e israelenses ocorre ao mes­mo tempo em que negociadores ocidentais e iranianos emitem inesperados sinais de otimismo. A coincidência fez com que analistas vissem as garantias de Oba­ma a Israel como uma forma de trazer o aliado para perto, ga­nhando margem de manobra no que pode ser a última tentativa para resolver, diplomaticamen­te, a crise com o Irã.

"Todos estão otimistas por­que, pela primeira vez, as conver­sas sobre o programa nuclear iraniano viraram negociações reais. Foram-se as precondições e o falatório, e agora há uma dis­cussão aberta sobre uma troca nabase do quid pro quo", afirma Ali Vaez, pesquisador do Crisis Group especializado na questão atômica da república islâmica.

No Cairo, Obama evitou colo­car ênfase na questão da demo­cracia no mundo árabe ("Cada nação dá vida, à sua maneira, ao princípio da vontade popular"), tentando se afastar do legado de seu antecessor, George W. Bush. Nos bastidores de Washington, persistia a lógica de que a ordem naregião dependiade "ditaduras amigas", do Egito à Arábia Saudi­ta. Obama, porém, acabou atro­pelado pela Primavera Árabe.

"Os EUA ainda tentam achar sua posição diante das mudan­ças de regime no mundo árabe", diz Mouin Rabbani, da revista Middle East Report. A questão que mais preocupa os america­nos é a Síria, afirma ele, e a ten­dência é que os EUA ampliem seu envolvimento, temendo as ondas de choque que a guerra ci­vil pode produzir em toda região - em Amã, Obama anunciou uma ajuda de US$ 200 milhões para refugiados sírios.

Mas, diante da crise síria, Wa­shington parece estar de mãos atadas, entre os riscos de uma intervenção e questões domésti­cas nos EUA mais urgentes, afir­ma Rabbani. "Obama pode mu­dar de discurso, mas não conse­guirá reverter o declínio da in­fluência americana", defende.