Título: Poucos infratores afetam imagem de toda a ciência
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Fonte: O Estado de São Paulo, 24/03/2013, Vida, p. A14

Trabalhos retratados não representam nem 0,1% do total de publicações, mas ‘são preocupação de todos’, diz especialista

Apesar do aumento no número de casos relatados nos últimos anos, as fraudes ainda representam uma minoria da atividade científica mundial. O número de trabalhos retratados não representa nem 0,1% do total de trabalhos publicados no mundo. E o número de cientistas implicados negativamente nessas retratações é menor ainda, considerando que é comum várias retratações serem atribuídas a um mesmo pesquisador. Há vários casos, por exemplo, de cientistas com mais de 10 ou até 20 retratações no currículo. A preocupação da comunidade científica com esses números, porém, é proporcionalmente muito maior, por conta do impacto negativo que essas poucas fraudes têm na credibilidade da ciência como um todo. “As percepções sobre retratações impactam negativamente todos os cientistas”, afirma John Krueger, do Escritório de Integridade em Pesquisa (ORI) dos EUA, em um artigo publicado em dezembro.

Por isso, completa ele, “as retratações são uma preocupação de todos”, e não só dos responsáveis por elas. É preciso levar em conta que o número de retratações é um indicador limitado da real incidência de fraudes e outras formas de má conduta. Por um lado, as retratações podem ser motivadas por erros “honestos”, cometidos sem a intenção de ludibriar. Nesse sentido, segundo Krueger, elas devem ser vistas como um ponto forte da ciência: a capacidade de se autocorrigir. Por outro lado, pode haver uma parcela potencialmente grande de fraudes que não são detectadas ou reportadas por diferentes motivos.

Estima-se, no geral, que entre 1% e 3% dos pesquisadores envolvam-se em algum tipo de má conduta. Segundo um levantamento publicado no ano passado na revista PNAS , a maior parte (79%) das retratações envolve casos de má conduta, incluindo fraude ou suspeita de fraude (43%), duplicação de publicações (14%) e plágio (10%). Os números são baseados numa revisão de 2.047 trabalhos retratados na base de dados PubMed até maio de 2012 e revelam um aumento de aproximadamente dez vezes na ocorrência de casos de fraude ou suspeita de fraude desde 1975. “Mostramos que a maioria das retratações é resultado de má conduta científica, e que quase metade dessas retratações envolve fraudes ou suspeita de fraudes”, escrevemos autores, liderados por Ferric Fang, da Universidade de Washington.

Cerca de 21% das retratações, segundo o estudo, foram motivadas por erros – que podem ter sido cometidos tanto de boa fé quanto de má fé. O levantamento mostra ainda que as retratações ocorrem tanto em revistas pequenas, envolvendo pesquisadores desconhecidos, quanto em revistas de alto impacto (como Nature , Science e Lancet ), envolvendo pesquisa- dores renomados. Casos famosos incluem o do coreano Hwang WooSuk, que fraudou estudos sobre clonagem de células-tronco embrionárias humanas na Universidade Nacional de Seul, e do americano Marc Hauser, que fraudou estudos sobre a capacidade cognitiva de macacos na Universidade Harvard, segundo o ORI.

Efeito tecnológico.

O aumento do número de retratações nos últimos anos pode ser resultado tanto de um aumento na prática de fraudes quanto de um aumento na capacidade tecnológica de identificá-las, com auxílio da internet e de softwares que permitem analisar imagens e comparar textos (para detecção de plágio) com facilidade. “Não sei se tem mais gente cometendo fraudes, mas certamente há mais recursos tecnológicos disponíveis, tanto para cometê-las quanto para detectá-las”, avalia o filósofo Luiz Henrique Lopes dos Santos, da Fapesp. “Talvez essas fraudes sempre existiram; só que agora ficou mais fácil de elas aparecerem.”

Para Grant Steen, um dos co-autores do estudo na PNAS ,os números são preocupantes, mas não necessariamente uma surpresa. “Sabemos que há políticos que mentem, advogados que trapaceiam, padres que quebram seus votos, médicos que são displicentes, professores que abusam de crianças, então não há porque esperar que cientistas sejam perfeitos”, diz ele. “Afinal de contas, são seres humanos também.” /H.E