Título: Universidade abandonada
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Fonte: O Estado de São Paulo, 01/04/2013, Notas e informações, p. A3

O estado de dete­rioração em que se encontram, as instalações da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) - criada há mais de cem anos, quando a União estabeleceu as bases do ensino agropecuário no País - mostra como o ensino superior oficial tem sido condu­zido. O segundo maior câmpus em extensão de toda a América Latina está caindo aos pedaços.

No Instituto de Tecnologia, o laboratório do Departamento de Tecnologia de Alimentos es­tá inundado. Os demais labora­tórios carecem de sistema de descarte de resíduos químicos e biológicos. As quatro piscinas do parque aquático estão fecha­das, o que obriga os alunos de educação física a terem aulas práticas de natação sem cair na água. O tanque para a prática de remo está tomado por lixo. Muitos cursos não contam com infraestrutura de informática. Instalações tombadas pelo Pa­trimônio Histórico enfrentam problemas causados pela colo­cação irregular de aparelhos de ar-condicionado.

Além disso, o número excessi­vo de gambiarras na rede elétri­ca deixa prédios administrati­vos e alojamentos estudantis ex­postos a riscos de incêndio. Por falta de segurança, professores e alunos são assaltados à luz do dia. O hotel destinado ao corpo docente não tem água nem luz. A entrada do restaurante uni­versitário não tem cobertura, deixando os usuários debaixo de sol e chuva. E o restaurante anexo está fechado, porque seus funcionários, que são ter­ceirizados, pararam de traba­lhar por problemas salariais.

"Uma palavra resume a situa­ção da UFRRJ: insalubridade", disse o professor Humberto Kzure, coordenador do Plano Diretor Participativo da insti­tuição. Com a colaboração de professores, alunos, servidores técnicos e estagiários, há dois anos ele iniciou um diagnósti­co dos problemas do câmpus, tendo produzido um detalhado relatório com cerca de mil pági­nas de texto e fotografias. Com base no relatório, o jornal O Globo publicou extensa reporta­gem sobre o abandono do câm­pus. "Não deixamos de reco­nhecer os problemas. Estamos tentando resolvê-los. Foram dé­cadas de descaso com o ensino público", afirma a futura reitora da UFRRJ, Ana Maria Dantas Soares, que está na instituição há cerca de 34 anos.

As instalações da Reitoria es­tão ocupadas por alunos, que condicionam a saída ao atendi­mento de suas reivindicações, das quais uma das mais impor­tantes é a realização de uma au­ditoria externa pelo Ministério Público Federal e pelo Tribu­nal de Contas da União. Publi­cados no site do Ministério da Educação (MEC), dados da exe­cução orçamentária da UFRRJ revelam que os valores transfe­ridos pela União para a institui­ção aumentaram quase 24 ve­zes, entre 2005 e 2012, passan­do de R$ 14,8 milhões para R$ 347 milhões. A direção da UFRRJ afirma que os valores foram bem menores, mas o MEC insiste em que as informações em seu site estão corretas.

Independentemente das di­vergências sobre o montante das transferências do governo federal, a professora Ana Maria Dantas Soares atribui os proble­mas da UFRRJ às limitações do Reuni - programa criado em 2007 - quando o ministro da Educação era Fernando Haddad - para ampliar o acesso ao ensino superior, por meio de au­mento de vagas e criação de no­vos cursos. O programa é oportuno, mas em sua implementação prevaleceram os interesses eleitorais e não o bom senso. Em vez de investir em primeiro lugar nas obras físicas, o que era mais lógico, o ministro, preocupado em mostrar resulta­dos, estimulou as universida­des federais conveniadas com o Reuni a começar matriculando novos alunos. "Se tivéssemos ti­do a oportunidade de construir prédios, criar os cursos e só de­pois virem os alunos, tudo bem. Mas não foi assim, pois era um projeto de governo, e não de Es­tado", observa a professora Ana Maria Dantas Soares.

Infelizmente, o que vem ocorrendo com a UFRRJ não é um caso isolado. Em várias ou­tras universidades criadas ou expandidas pelo governo do presidente Lula os cursos fo­ram oferecidos antes que as instalações físicas estivessem prontas e a infraestrutura téc­nica instalada. Isso é o que acontece quando política e edu­cação se misturam.