Título: Mudança por interesse
Autor: Boussidan, Solly
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/04/2013, Internacional, p. A11
Seu nome, Aung San Suu Kyi, é conhecido e reverenciado no mundo inteiro. Ela foi a Mãe Coragem durante os 20 anos em que resistiu, frágil, elegante, mas com a dureza do aço, à junta militar que dirigia Mianmar com ferocidade, mortes, prisões e torturas.
Há dois anos, a junta foi dissolvida e substituída pelo governo do general Thein Sein, sempre sob a égide dos militares, mas militares mais inteligentes. Suu Kyi pôde sair da prisão domiciliar e, há um ano, foi eleita ao Parlamento.
Agora, onde está a mulher que se tornou um ídolo? "Para onde foi a Mãe Coragem?", questiona o jornal tailandês BangkokPost? Alguns admiradores devotos de Suu Kyi a criticam: "Ela se tornou cínica". Um outro comenta: "Em sua lutaria adquiriu uma opinião muito elevada de si própria".
De que a recriminam? De ter aparecido, no dia 27, conversando gentilmente com generais repletos de condecorações, durante a parada do Exército de Mianmar. E de ter dito à BBC: "Amo o Exército"? Evidentemente, não é nenhum pecado amar o Exército. É até um belo sinal de patriotismo. O problema é que esse Exército oprimiu o país e Suu Kyi durante 20 anos.
Outras críticas, mais fundamentadas, são feitas a Suu Kyi. No dia 14, visitando uma mina de cobre, ela foi vaiada por uma multidão de camponeses, pois a mina, gerida por uma empresa militar birmanesa e um comerciante de armas chinês, destruirá aldeias inteiras e obrigará as populações locais a abandonar suas casas.
O que mais chama a atenção é sua atitude com relação à luta violenta que opõem as populações budistas de Mianmar aos muçulmanos. A maioria dos birmaneses é budista, mas 4% deles são muçulmanos de origem indiana e chinesa. O poder considera algumas destas etnias como apátridas, embora estejam instaladas aqui há várias gerações.
Ao longo dos anos, foi se desenvolvendo um poderoso sentimento islamofóbi- co. Depois do dia 21, na região de Meiktila (centro), os muçulmanos foram alvo de violências que os observadores descreveram como um "pogrom". Foram atacados por birmaneses budistas, apoiados por monges com punhais.
Calcula-se que 35 pessoas tenham morrido, em sua maioria muçulmanos; mesquitas foram incendiadas. O jornal online Irrawaddy falou em um "fascismo budista".
Suu Kyi não tomou posição. Questionada a respeito, respondeu que é preciso "garantir a lei e a ordem". E ainda: "Este problema é uma decorrência da falta de treinamento das forças de segurança para controlar as revoltas e, como figura internacionalmente reconhecida, preciso examinar a situação sob ângulos diferentes".
São estas as recriminações que alguns de seus antigos amigos fazem. Eles afirmam que Suu Kyi passou de "opositora moral" para a posição de uma simples "política". "Ela quer o poder", afirmam seus críticos. E está muito bem colocada para conquistá- lo. Suu Kyi, líder da Liga Nacional pela Democracia, deverá vencer as eleições de 2015 e tornar-se presidente.
Há apenas um problema: a Constuição impede as pessoas casadas ou que tenham filhos com um estrangeiro de chegar ao poder. É o caso de Suu Kyi, que se casou com um britânico com o qual ela tem dois filhos. Evidentemente, os parlamentares podem abolir a restrição, mas ocorre que 25% dos parlamentares são militares. É por isso, no entender de alguns, que ela não perde uma ocasião para dizer que "ama o Exército", e é por isso que se recusa a tomar posição em questões delicadas.