Título: Coordenador de comissão questiona Lei da Anistia
Autor: Arruda, Roldão
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/04/2013, Nacional, p. A7

Em comentário sobre a Lei da Anistia de 1979, o atual coordenador da Comissão Nacional da Verdade, soció­logo Paulo Sérgio Pinheiro, disse ontem em São Paulo que o Brasil deveria seguir as regras de tribunais interna­cionais, para os quais a autoanistia não é aceitável.

"Sentenças de tribunais inter­nacionais devem ser cumpri­das", afirmou, referindo-se a uma sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos, com a recomendação para que o Brasil reveja a lei, promulgada ainda durante o período do regi­me militar. Pinheiro também dis­se que não se pode esquecer que, "no governo de Fernando Henri­que houve uma luta grande para que o Brasil reconhecesse a juris­dição da Corte Interamericana".

Ele se referia ao fato de, em 1998, na comemoração dos 50 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, o então presidente ter sancionado a deci­são do Congresso que reconhe­ceu a jurisdição da Corte.

Ao mencionar que a Lei da Anistia foi promulgada ainda du­rante a vigência do regime mili­tar (1964-1985), o coordenador disse: "Autoanistias não são acei­tas em cortes internacionais".

Posição pessoal. Pinheiro enfa­tizou por duas vezes, no início e no fim de suas observações, que elas refletem sua posição pes­soal e não a da comissão. Diplo­mático, também disse que o grupo que coordena não representa o Estado e não cabe a ele tomar decisões ou fazer manifestações sobre o assunto. Referiu-se, por fim, ao fato de ter atuado duran­te oito anos na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos, fato que o aproxi­mou bastante daquele sistema.

Desde que assumiu o cargo de coordenador da comissão, porém, ele ainda não havia falado de maneira tão incisiva sobre a questão da anistia, que provoca polêmicas nos meios jurídicos e políticos. De acordo com a lei de 1979, foram anistiados no Brasil tanto perseguidos políticos pela ditadura quanto seus persegui­dores, os agentes de Estado.

Contestada no Supremo Tri­bunal Federal pela Ordem dos Advogados do Brasil, essa interretação foi ratificada pelo Su­premo em abril de 2010. Essa ma­nifestação, porém, não interrompeu os debates sobre a questão.

Os defensores da revisão da lei ganharam mais força em novem­bro daquele ano, quando a Corte Interamericana, ao condenar o Brasil a uma série de reparações no caso da Guerrilha do Ara­guaia, recomendou que a Lei da Anistia seja revista - uma vez que, tendo sido promulgada ain­da durante o regime militar, é ti­da como autoanistia.

Para Pinheiro, a atual interpre­tação da lei não ajuda nem atra­palha os trabalhos da Comissão. "Nossa principal tarefa é indicar responsabilidades e autorias das graves violações de direitos hu­manos que ocorreram no Brasil. Não vamos julgar ninguém. Sob esse ponto de vista, a Lei da Anis­tia não ajuda nem atrapalha."