Título: Haverá mais ações, mas sociedade sai ganhando
Autor: Álvares, Débora
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/04/2013, Economia, p. B8

Desembargadora do TRT paulista critica paranóia de patrões com o controle das horas extras dos empregados domésticos

O número de processos trabalhistas entre empregadas domésticas e patroas deve crescer por causa da nova lei que amplia os direitos dos trabalhadores do setor, segundo a desembargadora Ivani Bramante, do Tribunal Regional do Trabalho da 2a Região, em São Paulo. Ela critica a paranóia de patrões preocupados em como controlar as horas extras dos empregados. "Tem gente comprando sistemas de câmeras de vídeo para controlar jornada!", espanta-se.

Ela esclarece que babás e cuidadores de idosos que dormem no trabalho e ficam à disposição à noite estão trabalhando. Já as empregadas que dormem no trabalho, em aposentos próprios, não estão fazendo hora extra. "Temos jurisprudência de zeladores de edifícios e condomínios que dormem no trabalho mas não são acionados durante a noite." Apesar da polêmica, ela diz que a nova lei é boa para o País. "É um avanço em termos de cidadania."

A seguir, os principais trechos da entrevista.

O que a sra. achou da nova lei das domésticas? A intenção foi igualar os direitos das domésticas aos dos demais trabalhadores. O que foi acrescentado foram itens que em geral já são atendidos pelos patrões, como a garantia de salário não inferior ao mínimo e a proteção do salário na forma da lei (o salário não pode ser penhorado nem ter descontos não autorizados). A grande polêmica está na duração da jornada, que não pode ser superior a oito horas diárias e 44 horas semanais. Agora, passam a ser devidas também as horas extras.

Como fica o caso de domésticas e babás que moram no trabalho? O problema maior é o controle da jornada, e não a jornada em si. Tem empregada cuidadora que dorme no trabalho, e também as babás. Se a babá dorme no quarto da criança e precisa cuidar se a criança acorda, ela está trabalhando. Ela fica a noite toda à disposição. Já existe jurisprudência acerca do zelador que mora no local do trabalho. A moradia, nesse caso, não significa direito a horas extras. É preciso haver prova de jornada suplementar. A saída é a adoção de um livro ou caderno para registro de ponto, com horário de entrada e saída. Em condomínios, recomendo um relógio de ponto na portaria.

O que recomenda para que haja um entendimento? Alguns estão deixando de contratar empregada para dormir no trabalho. Outros colocam câmeras de vídeo para monitorar as horas trabalhadas. Acho isso um exagero.

O ideal não seria o bom senso dos dois lados? O bom senso já existe. A cuidadora ou cuidador que dorme no quarto e fica à disposição está trabalhando. O mesmo vale para as babás. Mas, quando a doméstica dorme em seus próprios aposentos, o ideal é estipular o horário em que ela se recolhe e deixa de trabalhar. Há muito exagero na discussão sobre o impacto da nova lei.

O número de ações trabalhistas envolvendo domésticas e patrões chama a atenção? Existem ações trabalhistas, mas não é muito recorrente. O porcentual é menor em relação a outras profissões. As domésticas não estão entre os trabalhadores com maior índice de reclamações trabalhistas.

Pode aumentar a proporção? A conscientização dos direitos e da cidadania desencadeia a busca pela realização e efetividade dos direitos. Então, acredito que haverá um processo natural de aumento das ações na Justiça. Mas é salutar para a sociedade. Faz parte da cidadania. Conscientiza os trabalhadores não só dos direitos, mas também dos deveres. O mesmo vale para os patrões.

O que mais muda com a lei? Com relação à redução de riscos de medicina, higiene e segurança do trabalho, não poderá haver ambiente insalubre e perigoso, caso contrário pode haver adicional de insalubridade e periculosidade. Essa questão também é controvertida, pois abre a possibilidade de a fiscalização do trabalho entrar no lar para verificar as condições. Há também a proibição do trabalho insalubre para menores, mas já temos convenções e normativas que proíbem o trabalho noturno perigoso do menor, o que vale para o trabalho doméstico. Então, não é possível haver trabalho doméstico aprendiz.

Haverá mudança em termos de sindicalização? Na questão do reconhecimento dos acordos e convenções coletivas, já existe o sindicato dos trabalhadores domésticos. Agora poderá surgir o sindicato dos patrões domésticos. Acho que nada impede a criação do sindicado dos patrões doravante.

O que a sra. espera em relação aos direitos que ainda serão regulamentados? Falta regulamentar o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), o adicional noturno e o salário-família. O FGTS poderá ser regulamentado não com 40% de multa nem no porcentual de 8% de desconto. Acredito que será um modelo diferenciado, com custo menor para o trabalho doméstico.

As domésticas terão auxílio- creche, salário-educação e salário-família? Auxílio-creche não existe. A Constituição garante creche para filhos até cinco anos, mas é uma incumbência do Estado, que desconta da folha de salário um porcentual de 2,5% a título de salário-educação. A lei não estabelece o direito a auxílio-creche para os domésticos, pois nem os trabalhadores comuns têm esse direito, somente se o sindicato negociar um. auxílio complementar. O salário-família é um benefício previdenciário, a cargo do Estado. Não muda nada.