Título: Dos saques à morte do rebanho
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/04/2013, Nacional, p. A4

Bolsas garantem a comida, mas futuro é incerto

Aparecido Silvino Coelho, 50 anos, mora na comunidade do Garcia, zona ru- ral de Águas Belas, a 400 km do Recife. Da seca de 1970, ainda pequeno, lembra que os irmãos andavam 100km para ir trabalhar nas "frentes de emergência" do governo por uma pequena remuneração."Passavam a semana e voltavam com dois ou três quilos de feijão, farinha e um pedaço de charque", lembra. A comida era dividida por seis pessoas. Na época, tios e primos foram embora para São Paulo. Quando chegou 1983, Apareci- d ojáestavacasadocomValdeni- ce, com quem teve sete filhos. A seca levou a lavoura e a fome chegou. Ele não teve dúvida: engrossou os famintos que saquearam o antigo armazém de alimentos do governo, a 32 km da sua casa. "A gente saiu de noite, a pé, eram umas 80 a 100 pessoas de várias comunidades, e chegoun o armazém amanhecendo. Cada um levava um saco.Agenteabriu as portas com pedaços de ferro, paus,p edra. Cada um encheu seu saco com o milho que tinha lá", diz Aparecido, constrangido. "Melhor que morrer de fome." Os saques se repetiram em 1993 com o mesmo roteiro. Os R$ 170 do Bolsa Família que chegaram háa lguns anos deram acesso ao banco a Aparecido. Ali ele fez um empréstimo com o qual comprou oito cabe- ças de gado. Podia criar e revender os bichos, além de consumir e comercializar o leite das vacas. Agora, na seca de 2013, viu tudo ir embora.Vendeu o gado para não vê-lo morrer, como muitos animais cujas carcaças secam à beira da estrada local. Os programas federais e esta- duais mantêm a comida na mesa. A água, nem sempre suficiente, vem em carros-pipa do Exército. Sem débito com o banco, Aparecido não pensa mais nos saques de anos atrás. Mas não sabe o que fazer quando a seca passar. Comprar mais animais? "E quando chegar outra seca?" /A.L.,ENVIADA ESPECIALAÁGUASBELAS