Título: Democracia é isso, diz pastor após mandar prender e tirar manifestantes de comissão
Autor: Madueno, Denise ; Bresciani, Eduardo
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/03/2013, Nacional, p. A4

O presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, pastor Marco Feliciano (PSC-SP), recorreu ontem ao uso da força para conseguir presidir a sessão do colegiado, mandou prender um manifestante contrário à permanência dele no cargo e optou por fazer uma audiência fechada ao público. Ao fim de um dia tumultuado, em que reiterou que não renunciará porque foi eleito democraticamente, resumiu assim o próprio desempenho; "Democracia é isso".

Tentando mostrar aos pares que tem condições de comandar a comissão, o deputado fez uma agenda movimentada ao longo do dia. Logo pela manhã visitou a embaixada da Indonésia para pedir clemência aos dois brasileiros condenados à morte naquele país por tráfico de drogas. Na saída, negou a renúncia e discutiu com jornalistas. "O que está em crise são vocês, falando besteiras e coisas que não existem", dissecara em seguida classificar de "estúpida" a pergunta sobre sua permanência no cargo feita por um jornalista do Estado.

Em seguida, o deputado passou pelo plenário, onde parlamentares fizeram discursos contra e a favor da sua permanência no cargo. No início da tarde chegou ao plenário da comissão, mais uma vez escoltado por seguranças e assessores. Foi a terceira eleição presidida por Feliciano, eleito em 7 de março. Em todas houve confusão e protestos. Ontem, manifestantes dos dois lados duelavam aos gritos pedindo a renúncia ou a permanência do pastor. Hostil, ele abriu a sessão e convidou o deputado estadual Fernando Capez (PSDB-SP) a fazer um relato sobre a situação dos corintianos presos na Bolívia.

Ameaças. Sem que fosse possível ouvir a exposição de Capez, Feliciano pediu ações da Polícia Legislativa, que estava com efetivo reforçado e tinha liberado a entrada de alguns manifestantes. Primeiro foram retirados os apitos. Depois, o parlamentar ameaçou retirá-los do plenário.

Com menos de dez minutos de sessão, no momento em que um manifestante pediu que Capez parasse de falar porque estaria dando apoio a um "racista", Feliciano reagiu pedindo à Polícia Legislativa que retirasse o jovem do local: "Quero que ele saia preso daqui". A reação forte contra o deputado de grupos ligados a direitos humanos ocorre por conta de declarações do pastor consideradas homofóbicas e racistas.

Como em 20 minutos os protestos não pararam, o pastor suspendeu a reunião, trocou a sala da audiência e autorizou que fosse liberada só a entrada de deputados, assessores e jornalistas.

Chumbo, a nova pauta. Após alguns minutos de interrupção, ele abriu a audiência sobre a contaminação de pessoas por chumbo na cidade de Santo Amaro da Purificação (BA). Diferentemente da semana passada, quando saiu em oito minutos, ficou durante toda a audiência no plenário. Ao final, discursou defendendo a condução dada aos trabalhos. "Me sinto realizado. Democracia é isso. Talvez seja preciso tomar medidas, não austeras, mas necessárias", afirmou.

Irônico, o pastor disse que, se as vítimas de contaminação por chumbo tivessem um grupo de 20 pessoas para protestar na Câmara, talvez tivessem conseguido auxílio do poder público. Além de Feliciano, apenas cinco deputados que o apoiam participaram da audiência.

Barrados da sala, os manifestantes seguiram para o corredor em que fica o gabinete de Feliciano. Os seguranças da Casa agiram novamente e houve confronto. Um dos manifestantes foi detido e levado para prestar depoimento na Polícia Legislativa. Em seguida, realizou exame de corpo de delito. Será aberta investigação para averiguar se houve excesso dos seguranças. O outro manifestante,- detido a pedido do deputado, foi liberado.

Tuitada de 2011 iniciou polêmica

Marco Feliciano (PSC-SP) é acusado de racismo desde 31 de março de 2011, quando disse no Twitter que "os africanos descendem de um ancestral amaldiçoado". Referia-se a uma passagem da Bíblia, no Gênesis, envolvendo Noé.

Diz o texto bíblico que, após se embebedar, o patriarca foi flagrado nu por Cam, seu filho mais novo, que riu dele. Quando se recuperou e soube do fato, Noé amaldiçoou o filho de Cam, Canaã. Disse a ele, segundo o texto bíblico: "Maldito seja: servo dos servos seja aos seus irmãos". Há várias interpretações dessa passagem. Feliciano faz parte do grupo fundamentalista que acredita que, uma vez que Canaã teria povoado a África, a maldição se estende aos seus habitantes, descendentes dele. No passado, isso foi usado para justificar a escravidão dos negros. No Twitter, Feliciano afirmou ainda: "A maldição que Noé lança sobre seu neto respinga sobre o continente africano, daí a fome, pestes, doenças, guerras étnicas".