Título: Dilma fala de inflação, mercado fica tenso e governo se queixa de 'manipulação'
Autor: Travaglini, Fernanda
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/03/2013, Economia, p. B1

Uma declaração da presidente Dilma Rousseff ontem de manhã sobre a inflação provocou nervosismo no mercado financeiro e levou o governo a passar o dia tentando reverter as expectativas negativas geradas pelo comentário, No inicio da tarde, o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, buscou o Broadcast, serviço de informação em tempo real da Agência Estado, para dar esclarecimentos. Horas depois, o Palácio do Planalto afirmou em seu blog que a declaração de Dilma havia sido manipulada pelo mercado. Em seguida, a presidente, irritada, chamou os jornalistas para negar a interpretação dada às suas declarações e se queixar da "manipulação".

Num momento em que o mercado aposta na elevação de juros e alguns economistas defendem a redução do emprego para conter a inflação, a presidente Dilma surpreendeu ao afirmar que "é uma política superada" adotar medidas que reduzam o crescimento econômico para forçar queda dos preços.

"Não concordo com políticas de combate à inflação que olhem a redução do crescimento econômico", disse. E, mais adiante, voltou à carga. "(...) esse receituário que quer matar o doente em vez de curar a doença, ele é complicado, você entende? Eu vou acabar com o crescimento do País."

As declarações de Dilma foram interpretadas pelos investidores como um recado desautorizando o Banco Central, que vem indicando uma iminente alta nos juros. A fala da presidente foi entendida como um sinal na direção contrária, o que deu combustível às especulações. Com isso, as taxas de juros no mercado futuro entraram em queda.

O movimento obrigou o presidente do BC a entrar em cena. Em entrevista ao Broadcast, Tombini disse que a interpretação de que o governo pretendia ser tolerante com a inflação estava errada. Segundo ele, o esclarecimento foi pedido por Dilma.

Horas depois, o Planalto reforçou a mensagem, divulgando em seu blog uma nota, dizendo que "agentes do mercado financeiro estava interpretando erroneamente" os comentários.

Em seguida, Dilma chamou os jornalistas, que estavam no centro de imprensa em Durban, distante 40 km do resort onde estava a presidente. Convocados pela assessoria de Dilma, eles foram colocados numa van e levados ao local da reunião. Irritada, ela deu uma curta declaração reafirmando seu compromisso com o combate à inflação.

Crescimento. O grande problema, na avaliação do governo Dilma, tem sido o ritmo da economia. A economia freou nos dois anos de mandato da presidente, com avanço de 2,7% em 2011. No ano passado, foi de apenas 0,9%.

Discute-se no governo e no mercado se dá para conter a inflação sem elevar a Selic, e qual seria a dose necessária de juros.

O governo tem tentando evitar ou reduzir a alta dos juros por meio de outros instrumentos, como o corte de tributos da cesta básica, e pela eliminação de encargos na conta de luz e desoneração da folha. Essas medidas provocam polêmica, porque boa parte do mercado diz que só adiam a alta dos preços.

Dilma fez questão de dizer que está preocupada com a inflação.

"Não só estamos atentos, como acompanhamos diuturnamente a questão da inflação. Não achamos que a inflação está fora de controle. Pelo contrário, ela está controlada. O que há são alterações e flutuações conjunturais. Mas nós estaremos sempre atentos", afirmou a presidente.

A presidente concedeu breve entrevista após sessão de trabalho da 5ª Cúpula do grupo dos Brics, ontem na África do Sul.

Dilma voltou a alfinetar a oposição. "São sempre as mesmas vozes, você não ouviu isso do governo (que seria preciso reduzir o crescimento para combater a inflação)", afirmou.

‘INFLAÇÃO É COM A FAZENDA’

Dilma atribui a ministério decisões tomadas pelo Planejamento e pelo BC

Antes de fazer os comentários sobre a inflação que tanta confusão renderam ao longo do dia, a presidente Dilma Rousseff cometeu uma gafe. “Geralmente, nas questões específicas sobre inflação, deixo para ser falado pelo ministro da Fazenda, mas vou adiantar algumas questões”, afirmou a presidente, em referência ao ministro Guido Mantega. Porém, segundo a legislação brasileira, o ministro da Fazenda não tem poder nem sequer para definir a meta de inflação sozinho. Isso é feito em conjunto com o ministro do Planejamento e com o presidente do Banco Central, no Conselho Monetário Nacional (CMN).

Depois disso, cabe ao BC perseguir essa meta usando medidas de política monetária, como a taxa básica de juros, a Selic. Não foi o único deslize de Dilma durante a cúpula do grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, criado durante a crise para ter a mesma voz nos encontros multilaterais, como o G-20. Nitidamente cansada, Dilma cometeu um ato falho ao pedir a reforma do Conselho de Segurança Nacional. Era, na verdade, o Conselho de Segurança das Nações Unidas. Outros integrantes da comitiva também passaram por constrangimento.

Quando Dilma começou seu discurso durante a sessão de trabalho da cúpula dos Brics no fim da manhã de ontem, o ministro Guido Mantega elevou o ritmo de seu piscar de olhos, até fechar as pálpebras por longos períodos. A um desavisado, parecia que o titular da Fazenda cochilava em Durban, cidade na costa do Oceano Índico, cinco horas na frente do fuso horário brasileiro. “Estava concentrado nas palavras dela”, respondeu o ministro, sorrindo, quando questionado pelo Estado , logo depois da cerimônia, se estava dormindo ou apenas meditando. A cúpula foi marcada por problemas de organização desde o início. Às vezes, era possível entrar no hotel Hilton, onde Dilma estava hospedada, sem passar pelo detector de metais. Mas o mais grave, para os jornalistas, ocorreu quando Xi Jinping, recém-ungido ao posto de presidente da segunda maior economia do mundo, começou seu discurso em chinês. Os aparelhos de tradução simultânea simplesmente não funciona- vam. Mais da metade da platéia começou a elevar os aparelhos, que funcionavam por infravermelho.

A cerimônia de abertura já prenunciava dificuldades. O Itamaraty distribuiu passes de mídia a todos os jornalis- tas brasileiros. Mas em cima da hora a segurança barrou todo mundo, porque não ca- beriam na sala onde haveria uma apresentação cultural. No dia seguinte, o mesmo ocorria com os jornalistas chineses durante o café da manhã com empresários. A todo momento, diplomatas e assessores se queixavam da falta de organização dos sul- africanos. Boa parte da comitiva brasileira ficou sem credencial até a véspera do encontro.A próxima cúpula será no Brasil, no ano que vem. / F.T. e I.D